Antes de falarmos do tratamento da fibrose cística, é preciso recordar alguns conceitos de biologia: doenças genéticas são aquelas causadas por mutações nos cromossomos. Os seres humanos possuem 23 pares de cromossomos: 22 deles são autossômicos (ou cromossomos somáticos), não relacionados ao sexo (o 23º par é alossômico: é o que determina o sexo).
A enfermidade é recessiva porque é necessário que os dois cromossomos do par sejam afetados pela mutação (portanto, pai e mãe devem transmitir o gene defeituoso, mesmo que nenhum dos dois apresente o problema). Por fim, glândulas exócrinas são os órgãos que produzem secreções, como o muco.
Quando espermatozoide e óvulo se unem, cada célula sexual oferece 23 cromossomos, que se unem a seus correspondentes, formando a primeira célula do futuro bebê. No caso da fibrose cística, a anomalia é registrada no cromossomo 7, responsável por uma proteína que regula a passagem de cloro e sódio pelas membranas celulares. A alteração provoca o transporte anormal de cloro, tornando o muco entre 30 e 60 vezes mais viscoso do que o normal. A água, que segue o movimento do sódio de volta para o interior das células, provoca um forte ressecamento do fluido extracelular.
Problemas respiratórios
Com o acúmulo de muco – já que a capacidade de transporte das secreções fica comprometida –, ocorre a proliferação anormal de vírus e bactérias nas vias das glândulas exócrinas e isto pode determinar uma infecção crônica nos pulmões: é o principal sintoma da doença.
Em consequência, as secreções obstruem a passagem de ar (retendo microrganismos), levando a outras infecções respiratórias (sinusite – praticamente universal entre os pacientes –, anosmia – perda do olfato –, otite, polipose nasal recorrente, etc.). Em 50% dos casos, a fibrose cística afeta o aparelho respiratório, mas estes casos representam 90% do total de mortes pela doença.
Outras intercorrências
As glândulas sudoríparas, parótidas e salivares segregam líquidos cujo teor de sal é muito superior ao normal, prejudicando a transpiração e a insalivação dos alimentos a digestão fica comprometida já em sua primeira etapa, ainda na boca. Uma das características da doença é a pele excessivamente salgada.
A fibrose cística pode afetar o sistema digestório e outras glândulas secretoras. Isto causa danos ao pâncreas e fígado; devido à insuficiência pancreática, os intestinos passam a funcionar de modo insatisfatório. As secreções do pâncreas e de glândulas intestinais ficam cada vez mais grossas, podendo atingir consistência sólida, obstruindo totalmente a glândula.
Em função disto, os pacientes não conseguem ganhar peso, apesar de se alimentar normalmente. A quantidade de fezes aumenta e a frequência das idas ao banheiro se torna menos espaçada. Uma característica das fezes é a cor pálida, o forte odor e o excesso de gordura. Maior volume de gases, inchaço abdominal, náuseas perda de apetite são outros sintomas gastrointestinais.
Em fetos com fibrose cística, pode ocorrer a obstrução do íleo – é a obstrução ileomeconial, fato que provoca distensão abdominal e vômitos bom bílis nos dois primeiros dias de vida. Esta condição acomete até 90% dos fibrocísticos recém-nascidos sofrem com este problema.
O atraso da puberdade e do próprio desenvolvimento integral é bastante comum, em função do comprometimento nutricional provocado pela fibrose cística. Entre os pacientes do sexo masculino, 98% apresentam esterilidade, em razão da obstrução dos canais deferentes, que leva à azoospermia. Entre as mulheres, a esterilidade atinge 30%, por causa do espessamento do muco vaginal, que dificulta a passagem dos espermatozoides.
O diagnóstico da fibrose cística
O teste do pezinho, ou triagem neonatal, realizado até o sétimo dia de vida, consegue identificar a fibrose cística. No entanto, o exame, comum em maternidades particulares, ainda está em fase de implantação no Sistema Único de Saúde (SUS). O teste pode gerar falsos positivos, mas é um alerta para que os pediatras procurem outros sintomas da fibrose cística.
No caso de recém-nascidos que apresentem obstrução ileomeconial (dificuldade ou incapacidade de expelir o mecônio, que são as primeiras fezes do bebê) nas primeiras 48 horas de vida, também é preciso aprofundar a investigação laboratorial.
Em crianças maiores, adolescentes e adultos jovens (em alguns casos, a doença não é detectada até os 18 anos), o diagnóstico é obtido através do teste de suor.
Níveis de cloro acima de 60 milimóis por litro, em duas amostras, em conjunto com outros sinais, indicam que a pessoa é portadora da doença.
Exames de gordura nas fezes, tripsina e quimotripsina das fezes, radiografia (ou tomografia) do tórax, trato intestinal superior e do intestino delgado, teste de resistência dos pulmões, medição da função pancreática e teste de estimulação da secretina (hormônio produzido pelo duodeno) são exames complementares que confirmam o diagnóstico de fibrose cística.
Os testes genéticos apontam cerca de 80% dos casos de fibrose cística. A margem de erro fica por conta das mutações genéticas, que são muitas, enquanto os kits de testes são padronizados.
O tratamento da fibrose cística
A nutrição do paciente deve ser feita a partir de uma dieta rica em calorias, sem restrição de gorduras, além da suplementação de enzimas pancreáticas para facilitar a digestão e reposição de vitaminas lipossolúveis.
De acordo com as características da secreção, é recomendada a inalação diária com soro fisiológico, broncodilatadores ou mucolíticos.
Vacinas contra gripe e pneumonia devem ser renovadas anualmente. Estas doenças aumentam as secreções nas vias respiratórias e facilitam o desenvolvimento da fibrose cística.
A fisioterapia respiratória é útil para facilitar a higiene dos pulmões e reduzir o risco de infecções. Especialmente nos dias quentes, é preciso garantir a reidratação e a reposição do sódio perdido com as secreções. Em casos mais graves, o médico pode recomendar antibióticos.
O tratamento da fibrose cística tem evoluído bastante nos últimos anos, inclusive com a adoção de exercícios leves para fortalecer a musculatura da caixa torácica (natação, corrida e ciclismo são excelentes opções). Pacientes bem tratados, com os devidos cuidados, podem levar uma vida normal.
O prognóstico da fibrose cística
Mesmo assim, a medicina ainda tem um longo caminho a percorrer: mesmo tendo crescido sem grandes problemas, os portadores da doença dificilmente ultrapassam os 40 anos de idade. A expectativa é reduzida no caso de pacientes com longo histórico de insuficiência cardíaca e respiratória, cirrose biliar, sangramentos gastrointestinais e hiperesplenismo (aumento do volume do baço).
Atualmente, as pesquisas se voltam principalmente para os avanços genéticos. Em algumas décadas, será possível realizar o tratamento do gene defeituoso, pela transferência de genes exógenos, o que neutralizará a fibrose cística, ao menos em seus sintomas no trato respiratório.