Terra, planeta água?

Quando, em plena corrida espacial, o cosmonauta russo Yuri Gagarin se tornou o primeiro humano a viajar pelo espaço, a bordo da nave Vostok I, em abril de 1961, ele teve uma inspiração poética, quando afirmou, ao ter a primeira visão do planeta: “A Terra é azul”. Efetivamente, nossa “nave mãe” é recoberta, em quase três quartos pelo líquido precioso.

A água é considerada sagrada – ou, ao menos, extremamente importante – por diversos povos durante toda a história. As grandes cidades do Egito antigo foram construídas às margens do rio Nilo, que até hoje serve para rega e adubação. A Suméria, civilização mais antiga da história (até onde se sabe), surgiu entre os rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia (palavra que significa água entre rios).

Todas as cidades e aldeias foram edificadas pelo homem ao lado de cursos d’água, incluída a poluída São Paulo nasceu ao lado do hoje quase morto rio Tamanduateí e norteou seu crescimento pelas margens dos rios Tietê e Pinheiros, cujo bairro que adotou este nome começou a ser ocupada precocemente pelos aventureiros europeus, em 1584, apenas 30 anos depois da fundação do colégio dos jesuítas.

Mais registros

A importância da água sempre foi percebida pela humanidade. A Bíblia, livro sagrado dos judeus, cristãos e muçulmanos começa com uma referência a ela: “No início, Deus criou o céu e a terra. A terra, no entanto, era sem forma e vazia. A escuridão cobria o mar que ocupava toda a superfície; o espírito de Deus movimentava-se sobre as águas”.

Para Tales de Mileto, filósofo grego inspirado em estudos realizados no Egito, no século VI a.C. (e considerado o primeiro pré-socrático). O pensador (apenas por curiosidade, ele nasceu em uma região hoje pertencente à Turquia), ensinava: “Tudo vem da água, tudo possui água. O fim da água significa o fim da existência”. Apesar de precisarmos de outros elementos para a constituição, manutenção e até para a destruição da vida, é inegável a importância da água para a vida.

Em um trecho de um documento memorável, a “Carta do Chefe Seattle” (vale a pena ser lido), escrita em 1855, o cacique da tribo Suquamish, do Estado de Washington (EUA), respondeu a uma proposta formulada pelo presidente Francis Pierce, sobre a venda do território ocupado pelos índios, o chefe respondeu: “Como é possível comprá-lo de nós? Toda a terra é sagrada para o meu povo. Nós não somos donos da pureza do ar, nem do brilho da água. Esta ideia nos parece muito estranha”.

Escassez

Aparentemente, no entanto, não conseguimos aproveitar as lições do chefe. Durante milênios, acostumamo-nos a acreditar que a água é inesgotável, assim como outros recursos, como o solo (que também é renovável, mas demanda tempo para se recuperar) e os minérios (estes são limitados).

No Festival de MPB da Rede Globo de Televisão de 1981, o cantor e compositor Guilherme Arantes, que obteve a segunda colocação com “Planeta Água”, apresentou todo o lirismo em sua canção, que discorre sobre a beleza e a potência das águas. No entanto, a realidade não é exatamente assim. A água está pedindo socorro ao “bicho humano”.

A Terra, na verdade, não é o “planeta água”. A água dos oceanos representa 71% de nossas reservas, mas ela não pode ser utilizada para a agropecuária, nem para o consumo humano e animal. Existem projetos de dessanilização em diversos pontos do mundo, inclusive no Brasil (especialmente no Ceará), para tornar potável a água do mar, rios e riachos.

Se considerarmos o volume total do planeta, a água presente na Terra é ainda mais rara. A profundidade máxima ocorre na fossa das Marianas, em Honolulu, Havaí (EUA) é de 11 quilômetros (mais que a altura total do monte Everest, de 8,8 quilômetros, no Himalaia, entre a China e o Nepal, considerado “o topo do mundo”).

A distância entre a superfície e o centro da Terra, porém, é de 6.231 quilômetros, pouco mais de 566 vezes a profundidade das Marianas, que já foi chamada de “Challenger Deep” (desafio da profundidade, em tradução livre). O nome mais adequado para o planeta seria “planeta rocha”, em alusão aos muitos minérios que ancoram nossos continentes e ilhas.

Outro nome possível para a Terra seria “planeta fogo”. As camadas internas do planeta apresentam temperaturas muito altas, que vão se elevando à medida que os estudos se aproximam do núcleo terrestre. Alguns cientistas acreditam que o “verão” pode atingir mais de 6.000° C, calor suficiente para manter as rochas em estado pastoso e, em alguns casos, apenas líquido.

As propostas não são recentes: Israel começou a desenvolvê-las ainda nos anos 1950, em função da insuficiência de vazão do rio Jordão (cujo volume é insuficiente para atender às necessidades da população). Antes de “exportar” água do Alasca para a Califórnia, os EUA também fizeram experimentos na costa leste do país.

A dessanilização, no entanto, é um procedimento bastante sofisticado. Os custos da operação podem ser proibitivos para diversos países que sofrem com as constantes estiagens, em função da alteração do regime de chuvas, causada pelas alterações climáticas determinadas pelo efeito estufa (elevação da temperatura global determinada pela emissão de gases da indústria, da circulação de veículos e até da produção agrícola).

Mais problemas

A dessanilização exige altos lotes de cloreto para retirar a água dos oceanos. Sem opções para o descarte, as substâncias químicas poluem o solo, os oceanos e os cursos de água potável. Diversas pesquisas estão sendo realizadas, mas os cientistas ainda encontraram soluções práticas.

Os oceanos e mares representam 97% do nosso estoque, mas, por enquanto, estão inacessíveis ao consumo. Algumas geleiras e glaciares situados no Ártico e na Antártica, que representam 2% da água da Terra, poderiam ser uma solução, mas a extração comercial ainda não é viável. Rios, lagos e fontes subterrâneas (como os aquíferos) são a nossa única possibilidade atual – e eles representam apenas 1% do total de nossas águas.

Na água potável (e em menor medida, também nos mares costeiros), porém, surge outro problema: a poluição. Qualquer brasileiro pode constatar a sujeira dos rios, o assoreamento dos leitos, o uso indevido nas plantações e a destruição das matas ciliares – a vegetação que cresce nas margens. Além da sujeira e degradação, estamos consumindo muito mais do que o planeta consegue repor. É preciso começar a poupar água.