Jerusalém é uma cidade sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos. Milhares de peregrinos visitam a Muralha Ocidental (o Muro das Lamentações, santo para os judeus – é a única parede que restou do grande Templo), a Via Crúcis e a Igreja do Santo Sepulcro (cristãos) e as Mesquitas de Al-Aqsa e de Omar (ou Domo da Rocha, para os muçulmanos; é a terceira cidade santa do Islã, depois de Meca e Medina). É também um local em que muitos fiéis desenvolvem uma síndrome de raízes religiosas, vivenciando experiências místicas muito além da realidade.
O Estado de Israel considera Jerusalém como sua capital –eterna e indivisível –, mas a comunidade internacional não reconhece este status. A Organização das Nações Unidas (para quem a capital de Israel é Tel-Aviv) tenta mediar um acordo para que a cidade seja dividida entre israelenses e palestinos, mas a situação política da região é bastante instável: fundamentalistas de ambos os lados requerem a cidade apenas para si e, em alguns casos, a destruição total dos inimigos.
Nesta confusão de religião e política, formam-se as condições para que seja visto e ouvido muito mais do que realmente existe.
A cidade foi erguida pelos jebuseus, provavelmente quatro mil anos antes da Era Cristã. Mil anos antes de Cristo, de acordo com a tradição bíblica, Jerusalém teria sido tomada pelo rei Davi, situação que perdurou até o século I a.C., quando foi destruída pelo Império Romano (ano 70). Os judeus foram dispersos e, do Grande Templo, construído por Zorobabel por volta do século IV a.C., restou apenas o muro sagrado para o Judaísmo.
Problemas mentais
A síndrome de Jerusalém afeta judeus e cristãos (e, em menor grau, muçulmanos). É um grupo de transtornos mentais de temática religiosa, ela se manifesta por delírios ou surtos psicóticos desencadeados pela visita à cidade. Não afeta apenas fiéis, mas diversos turistas (inclusive leigos) que visitam a cidade. De início, os demais membros do grupo de turistas ou peregrinos atribui os sinais ao cansaço ao jet lag e ao cansaço da viagem.
Na verdade, a cidade não produz a síndrome: é apenas um catalisador de sentimentos e emoções, com toda a sua carga cultural. Algumas vertentes religiosas acreditam que não seja um mal, mas uma experiência religiosa profunda. Pelo mesmo motivo, alguns especialistas afirmam que a síndrome afeta peregrinos e não turistas, que querem apenas conhecer novos lugares antes de voltar à sua rotina.
O tipo mais comum da síndrome afeta indivíduos sem histórico de doenças mentais (alguns médicos contestam esta informação). Instala-se imediatamente quando o paciente se defronta com um monumento religioso. Em alguns casos, tem visões, passa a conversar com anjos e santos e, entre os cristãos, não é raro incorporar os reis Davi e Salomão e até o próprio Jesus Cristo. No desenho animado “Os Simpsons”, o personagem Homer é afetado pela síndrome. Seja como for, em praticamente todos os casos, os sintomas regridem logo após a retirada dos locais santos, mas há relatos da necessidade de acompanhamento psicológico.
É uma condição patológica semelhante à síndrome de Stendhal; neste caso, o afetado passa a ter visões após se expor a uma série de obras de arte (especialmente em ambientes fechados, como museus e igrejas). Além dos delírios psicóticos, o indivíduo sofre com aceleração dos batimentos cardíacos, vertigens e falta de ar.
O nome deste mal se deve ao escritor francês Stendhal (pseudônimo de Henri Marie Bayle), que teria sofrido da síndrome em 1817, durante visita à Basílica da Santa Cruz, em Florença (Itália).
Outra situação análoga é a síndrome de Paris, que afeta turistas japoneses na Cidade Luz. Aparentemente, dez em cada milhão os visitantes vindos do Japão sofrem um tremendo choque ao descobrir que a capital francesa, ao contrário do que se pode esperar, é uma cidade suja, com bêbados urinando no metrô, mendigos em todas as esquinas e muitos garçons mal-humorados desprezando clientes que não falam francês em bistrôs e cafés. Os turistas se encerram em quartos de hotel até que uma camareira atenciosa perceba o problema – os sintomas são os mesmos, além do isolamento – e providencie socorro psiquiátrico.
A síndrome de Jerusalém foi descrita cientificamente pela primeira vez em 1930, quando a cidade ainda era colônia britânica, mas há relatos de que já ocorriam surtos durante a Idade Média – a cidade é meta de peregrinos desde o século X. Muitos especialistas contestam o nome do mal, já que comportamentos semelhantes têm sido observados em outras cidades de importância religiosa e histórica, como Roma e Meca.
Um dos casos mais citados da síndrome na literatura médica é o do australiano Michael Rohan. Em 1969, movido por ilusões e vozes, o turista pôs fogo no púlpito da Mesquita de Al-Aqsa, fato que provocou sua internação em um hospital psiquiátrico israelense por cinco anos. O fato provocou uma revolta popular e é o pano de fundo do filme “The Jerusalem Syndrome”.
Os tipos de síndrome de Jerusalém
São três os tipos de síndrome de Jerusalém. No tipo I, indivíduos previamente diagnosticados com doenças mentais sofrem delírios e distúrbios ao visitar a cidade. Em geral, eles são disparados por ideias obsessivas sobre a religião. Nestes casos, é comum que os pacientes acreditem serem pessoas de grande importância religiosa, predestinados para a apresentação de novas revelações. Os cristãos afetados quase sempre fazem longos discursos sobre a segunda vista do Cristo – e o consequente Juízo Final.
No tipo II da síndrome de Jerusalém, os pacientes não desenvolvem necessariamente ideias obsessivas, mas supervalorizam a importância da cidade na história do mundo. Passam a pregar o Antigo Testamento como verdade absoluta e ignoram outros interesses (como os outros destinos previstos para a viagem). Este tipo é particularmente comum a grupos de turistas, especialmente os religiosos.
O tipo III afeta principalmente pessoas sem doenças mentais preexistentes. O portador é o que apresenta a síndrome de Jerusalém mais bem caracterizada. O mal é caracterizado pelo comportamento extremamente obsessivo, que geralmente se desinstala poucos dias depois de deixar a região. Nestes casos, é comum desenvolver condutas como aparar os cabelos, cortar unhas e lavar-se várias vezes ao dia (o Antigo Testamento preconiza que os judeus devem lavar as mãos e o corpo diversas vezes ao dia), necessidade de viajar sozinho pela “Terra Santa”, de citar trechos da Bíblica ou entoar hinos sacros, de usar lençóis (como se fosse uma toga, sempre branca) e de proferir discursos (quase sempre muito confusos, sem nexo nem continuidade).
Cerca de dois milhões de turistas visitam Jerusalém anualmente. Destes, 1.200 com problemas mentais relativamente sérios demandam orientação psiquiátrica e pouco mais de um terço precisa de internação hospitalar.