Um estudo realizado em 2013, pelo IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor –, avaliou as condições dos ônibus e trens metropolitanos de duas importantes capitais brasileiras: Belo Horizonte e São Paulo. As cidades foram escolhidas por serem as regiões metropolitanas com maior densidade demográfica no país. O resultado não causa surpresa: foram encontrados muitos problemas no transporte público.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC, artigo 22), os serviços públicos sejam prestados de forma eficiente, adequada e segura, mas não foi isto que ocorreu: em 14 viagens em São Paulo e 11 em Belo Horizonte, foram encontradas nada menos do que 146 irregularidades (metrô SP: 8; metrô BH: 23; ônibus SP: 85; ônibus BH: 30). Vale lembrar que os congestionamentos e atrasos ferem a Constituição, que coloca o direito de ir e vir entre as cláusulas pétreas.
Critérios, causas e efeitos
Para a avaliação do transporte público, o estudo considerou a qualidade da viagem, estrutura das estações ou pontos, estrutura do meio de transporte e atendimento ao público. Superlotação dos coletivos (até oito passageiros por metro quadrado), atrasos e falta de informações para os usuários.
Apesar de os brasileiros aceitarem quase bovinamente este desconforto, ele representa uma violação do CDC: de acordo com a lei, o transporte público é uma relação de consumo: o cliente paga caro e tem direito de receber um serviço de mínima qualidade.
O incentivo à utilização do transporte público poderia encorajar os motoristas a deixarem seus carros nas garagens, para utilizar ônibus e trens para chegarem aos seus destinos. O problema é que, com um serviço de má qualidade, ocorre exatamente o contrário: cada vez mais pessoas optam pelo uso do transporte individual.
Não se trata apenas de um problema de mobilidade urbana: a má qualidade do transporte público no Brasil também prejudica o meio ambiente.
Com mais carros nas ruas, maior a emissão de poluentes. O trânsito congestionado “obriga” muitos motoristas a capricharem no uso das buzinas, como se uma nova via fosse se abrir miraculosamente ao som estridente.
O número excessivo de veículos aumenta o número de acidentes, como colisões e atropelamentos. Nos últimos anos, o governo federal adotou uma política de acesso à compra de um veículo. Os prazos de financiamento de automóveis novos (0 km) saltaram de 24 para 60 meses e, em diversos períodos, houve redução ou isenção da carga tributária.
Infelizmente, a situação não se limita às capitais de São Paulo e Minas Gerais. Ela se repete em todas as grandes cidades do país; nas cidades médias e pequenas, há outro agravante: o número reduzido de coletivos, que determina longas esperas nos pontos de ônibus, com os consequentes atrasos na entrada do trabalho ou da escola.
A frota
Em São Paulo, 24 milhões de veículos estão registrados no DETRAN – além de algumas dezenas de milhares que não apresentam condições de trafegabilidade, mas continuam nas ruas. Deste total, seis milhões circulam pelos 17 mil quilômetros de vias da capital.
De acordo com o IBOPE, 54% dos paulistanos afirmam estar totalmente insatisfeitos com o transporte público. Dois terços dos habitantes da cidade perdem entre 30 minutos e três horas para locomover-se até o trabalho ou a escola. Como falta infraestrutura, quem pode adota soluções individuais – fato que só cria mais problemas.
Em julho de 2015, numa sexta-feira, um caminhão basculante entalou sob uma ponte na Marginal Tietê, via que muitas vezes lembra um pátio de estacionamento, tanta a imobilidade. Parte da Marginal ficou interditada por 50 horas. No sábado, o caos do congestionamento era absurdo. Tudo isto com apenas um acidente de trânsito.
Brasília, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro são exemplos de metrópoles que já não aguentam sofrer com problemas no transporte público e nos congestionamentos gigantescos que ocupam ruas e avenidas – e isto não ocorre apenas nos horários de pico: tornou-se uma “situação normal” durante o dia inteiro.
Mais insatisfação
Em todo o país, as avaliações “ruim” e “péssimo” para o transporte público ultrapassam os 70%. Em 2013, uma onda de insatisfação popular tomou as ruas do país – e teve início com o movimento Catraca Livre, que se posicionou contra um reajuste de R$ 0,20 no valor das tarifas.
Infelizmente, os protestos geraram poucos efeitos práticos, o movimento perdeu força, foi esvaziado e as autoridades públicas do país seguiram a vida no ritmo de sempre, sem conseguir apresentar soluções efetivas para garantir um transporte público de qualidade. Algumas cidades brasileiras conseguiram implantar a tarifa zero, o que demonstra ser possível ao menor baratear o custo e reduzir o impacto nos orçamentos domésticos.
A Copa
Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa de Futebol FIFA 2014, muitos governantes prometeram o que ficou conhecido como “a herança da Copa”. Entre as diversas obras prometidas (como paisagismo, sinalização, revitalização de áreas degradadas, etc.), destacava-se a mobilidade urbana.
Na véspera da abertura dos jogos, no entanto, apenas 45 obras (das 74) foram entregues à população: metrô e veículo leve sobre trilhos são os principais exemplos. 15 destes projetos foram inaugurados sem estarem finalizados; 32 foram descartados por falhas no planejamento e execução.
Um exemplo é o monotrilho de Manaus, cuja previsão de entrega era outubro de 2012, mas a construção foi descartada pelas autoridades, inclusive em função de irregularidades (leia-se superfaturamento) apontadas pela Justiça.
Entre as desculpas para atrasos ou cancelamentos, as principais são: a burocracia, imprevistos nas construções, disputas judiciais com desapropriações, alterações no planejamento e problemas com as empreiteiras que venceram as licitações.
Em Porto Alegre (RS), das 11 obras previstas, nove ficaram para depois da Copa (as obras do entorno do Estádio Beira-Rio só foram concluídas durante a competição); em Cuiabá (MT), sete em dez não ficaram prontas.
Vem aí mais um evento internacional de grande porte: os Jogos Olímpicos de 2016, que serão realizados no Rio de Janeiro. A cidade tem se transformado em um canteiro de obras, o que prejudica ainda mais os deslocamentos. Mesmo assim, talvez a cidade seja beneficiada com novas e melhores opções de transporte público.
Isto é algo a ser conferido. Caso não dê certo (mais uma vez), meses depois serão realizadas as eleições municipais (prefeitos e vereadores). A gestão do transporte público é de responsabilidade das prefeituras, mas os Estados e a União têm obrigação constitucional de participar dos investimentos.