Trata-se de um filme americano dirigido por William Friedkin. Dois anos antes, ele havia encontrado o escritor William Peter Blatty, que o presenteou com o recém-lançado (e futuro best-seller) “O Exorcista”. Consta que o cineasta ficou tão impressionado com a trama, que não conseguiu dormir enquanto não terminou de ler as 340 páginas do livro. Realmente, a obra parece um ímã (especialmente à época do seu lançamento, quando os demônios não estavam tão banalizados).
Aparentemente, “O Exorcista” provocou terror e fascínio no cineasta, que procurou novamente o escritor, que também é roteirista do filme. Em dois meses, Blatty entregou o primeiro esboço do roteiro. Friedkin odiou: era um texto padrão, cheio de clichês, mais parecido com uma trama policial do que um terror. A adaptação demorou seis meses, mas, por fim, o cineasta tinha material para convencer os executivos dos estúdios Warner.
A escolha do diretor
Stanley Kubrick, de “Spartacus”, “Doutor Fantástico”, “Laranja Mecânica” e “2001: uma Odisseia no Espaço”, entre outros, era o mais cotado para assumir a direção, mas ele já estava envolvido em outros compromissos profissionais.
Mark Ridell, de “Os Caubóis”, “A Rosa” e “Num Lago Dourado”, aceitou o trabalho mas, pouco antes da pré-produção (fase inicial, em que o produtor é indicado e começa a captar investimentos), voltou atrás, dizendo que era contra a exploração infantil. Restou ao próprio Friedkin assumir a direção.
O roteiro
O livro de Blatty tem como inspiração o exorcismo de um jovem de 14 anos, documentado em 1949. “O Exorcista”. Filme conta a história de uma garota de 12 anos, filha de uma atriz de Hollywood, Chris MacNeil, temporariamente morando em Georgetown (Distrito de Colúmbia, onde fica Washington, a capital americana).
Durante as gravações, Chris começa a notar alterações no comportamento da jovem Regan. Progressivamente, a menina conversa com seres invisíveis, tem convulsões e passa a exibir poderes paranormais, como levitação e grande força física. A garota passa para uma série de exames, até que os médicos sugerem que ela seja avaliada por um psiquiatra.
Chris leva Regan, mas a menina ataca o psiquiatra violentamente. As ocorrências paranormais continuam acontecendo na casa.
Desesperada, a mãe procura o Padre Karras, que inicialmente acredita em psicose. Com outras evidências, como falar em outras línguas e até falar inglês de trás para frente, mesmo em dúvida, o padre decide pedir autorização para a Igreja, para fazer o exorcismo. Entre em cena o exorcista, um misto de padre e arqueólogo recém-chegados de escavações no Iraque, onde encontrou restos de uma escultura de Pazuzu, o demônio-chefe da trama.
O restante da história, que inclui dúvidas sobre a fé, assassinatos e outras peripécias, fica para quem ler o livro ou assistir ao “Exorcista”. Mas, nos bastidores, também ocorreram muitas coisas no mínimo estranhas.
Maldição ou coincidência?
Em “O Exorcista”, Jack MacGowran interpreta o diretor do filme que Chris MacNeil está estrelando. Na trama, ele morre misteriosamente, despencando de uma janela para uma escadaria ao lado da casa da atriz (curiosamente, a janela do quarto de Regan dá exatamente para este escadão).
Uma semana depois do final das filmagens, MacGowran morreu mesmo, de pneumonia, segundo atestaram os médicos. Ou teria sido um verdadeiro ataque de demônios, irritados com a derrota apresentada no cinema?
As mortes continuaram. O ator Max Von Sidow (que interpreta o Padre Merrin, o exorcista da trama), logo no início das gravações, recebeu a informação de que seu irmão havia morrido. Um vigilante noturno, responsável pela segurança dos cenários, foi assassinado a tiros O técnico que gerenciava a refrigeração do quarto de Regan no set, morreu de forma não explicada.
Caso alguém esteja curioso para saber o que fazia um técnico em refrigeração nas gravações de uma megaprodução hollywoodiana – com quatro potentes aparelhos de ar-condicionado –, o diretor William Friedkin fazia questão de que a temperatura do quarto da garota endemoninhada estivesse quase congelante, para dar mais realismo às cenas. Friedkin era demoníaco, não?
O set de “O Exorcista” pegou fogo várias vezes durante as gravações. De todos os ambientes, o único local que permaneceu intacto foi o quarto de Regan, justamente onde ocorrem as cenas cruciais do filme, inclusive as do exorcismo. No entanto, em off, diversos técnicos da Warner afirmaram que o único acidente foi um curto-circuito em uma torradeira. Diretor e estúdio aumentaram “um pouquinho” a história, para obter propaganda gratuita.
O azar continuou. A mulher de um assistente de câmera teve um aborto espontâneo. A atriz Ellen Burstyn (Chris MacNeil) sofreu uma lesão na coluna vertebral, na cena em que é atirada contra a parede pela filha possuída. Um carpinteiro serrou o próprio polegar. Outro, o dedão do pé. Teriam sido meros acidentes trabalhistas ou artes do próprio príncipe do mal? Mas, para que o Demo não leve a culpa de tudo, é preciso dizer que a responsabilidade pela lesão de Burstyn é do próprio Friedkin, que instruiu o técnico a “puxar a corda com tudo”. Deu no que deu, mas, mesmo assim, a cena, com acidente e tudo, foi mantida na versão final.
Outras vinganças demoníacas: a atriz Mercedes McCambridge deu o seu melhor para dublar a garota endiabrada, com a voz gutural característica de Pazuzu. Antes de emprestar a voz, chegou a beber muito, a comer ovos crus e a fumar um cigarro atrás do outro (ela não era fumante).
Os produtores, porém, se esqueceram de incluir seu nome nos créditos de “O Exorcista”, um grande insulto para uma ganhadora de um Oscar (em 1950 e de coadjuvante, mas, mesmo assim, um Oscar). Mercy McCambridge processou o diretor e a Warner.
Os prêmios
“O Exorcista” é um pioneiro: foi o primeiro filme de terror a ser indicado para o Oscar, o maior prêmio do cinema mundial. Concorreu nas categorias “filme”, “diretor”, “atriz”, “ator coadjuvante”, “revelação feminina” (a própria endemoninhada, Linda Blair), “fotografia”, “direção de arte” e “edição”. Levou as estatuetas por “roteiro adaptado” e “som”.
No Globo de Ouro, “O Exorcista” concorreu aos prêmios de “atriz”, “ator coadjuvante” e “atriz coadjuvante”. Ganhou as estatuetas de “filme (drama)”, “diretor”, “atriz coadjuvante” e “roteiro”. Isto irritou bastante os demônios.
A trilha original do filme foi composta pelo autor argentino Lalo Schifrin. O trabalho, no entanto, foi considerado medíocre e rejeitado por Friedkin, que decidiu utilizar uma trilha já pronta (“Tubular Bells”, de Mike Oldfield). Mais uma vingança se delineava.
Schifrin – o mesmo compositor que criou a abertura musical de “Missão Impossível” – vendeu a trilha sonora recusada para “Terror em Amityville”, filme dirigido por Stuart Rosenberg em 1979. A música ajudou a criar o clima sombrio e para aumentar a ansiedade dos espectadores. Provavelmente, este fato lhe rendeu indicações para o Oscar e o Globo de Ouro, fato raro – até hoje – para filmes de terror.
A série
“O Exorcista” rendeu três continuações de eriçar os cabelos: “O Exorcista II: O Herege”, “O Exorcista III” e “O Exorcista – O Início” (este último é ambientado em época anterior à do caso da jovem Regan). Nenhuma delas esteve perto do sucesso do filme original, que arrecadou quase US$ 450 milhões no mundo todo e ganhou uma versão estendida, com som digital e 11 minutos extras, em 2000.
A maldição, no entanto, continuou. John Boorman, cotado para a direção do filme original, aceitou fazer o segundo Exorcista. Durante as gravações, o diretor contraiu uma infecção respiratória que o prendeu na cama por mais de um mês. De volta à ativa, tentou pular do barco – que, já se antevia, seria um tremendo fracasso – mas foi ameaçado pelo estúdio e teve o desprazer de ver seu nome em cartazes e nos créditos de “O Herege”.
“O Exorcista III” não é uma continuação dos anteriores. Também é baseado em um livro de Blatty, “O Espírito do Mal”, mas é baseado na história real de um serial killer, e foi dirigido pelo próprio escritor. Os produtores, no entanto, decidiram inserir referências injustificáveis ao filme original. O resultado final é uma salada mista, quase ininteligível. Aparentemente, os demônios não gostaram da companhia do assassino em série.
Para terminar: a simpática Linda Blair, que provoca comoção entre os espectadores, pelos sofrimentos infligidos pelos demônios no clássico “O Exorcista”, parecia ser uma estrela em ascensão. A continuação, no entanto, foi um desastre. A atriz estava muito acima do peso e seu desempenho jogou por terra todas as oportunidades de carreira em Hollywood.
Ocorreu o inevitável: fotos em revistas masculinas, álcool e drogas. Chegou participar do elenco de alguns filmes, mas seu maior sucesso foi “A Repossuída”, uma sátira aos filmes sobre demônios e suas estripulias. Blair continua firme forte, no cinema e na TV, talvez aguardando uma nova visita de Pazuzu para voltar ao estrelato.