O Brasil está em luto por causa do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que, na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, deixou mais de 230 mortos e uma centena de feridos, a maioria por intoxicação ou pisoteamento. Durante a apresentação de uma banda local, um dos músicos acendeu um artefato pirotécnico que incendiou a proteção acústica da casa noturna, feita de isopor, material que é consumido em apenas alguns instantes e libera gases tóxicos.
O incêndio, que não pode ser classificado como tragédia – pois a tragédia é, por definição, algo que não pode ser previsto nem controlado –, foi provocado pela ganância de alguns empresários e a imprudência de alguns artistas. O fogo poderia ter sido evitado se, em lugar do Sputnik, fogo de artifício que lança faíscas incandescentes a quatro metros de altura (e não deve ser usado em locais fechados), a banda tivesse optado por um artefato semelhante às velas de aniversário do tipo estrela. A diferença está no preço: o Sputnik custa R$ 4, enquanto o fogo estrela não sai por menos de R$ 70.
A boate Kiss era a “crônica de uma tragédia anunciada”. Com o alvará dos bombeiros vencido há seis meses, o local estava com a porta de emergência bloqueada, a única saída possível tinha apenas dois metros de largura – o que torna impossível a rápida evacuação dos cerca de mil jovens que se divertiam no local –, era cerceada por um corrimão para controle de acesso e ficava ao lado da porta do banheiro. Dezenas de pessoas confundiram as portas e morreram nos WCs.
No início do fogo, seguranças da Kiss tentaram impedir a saída do público, imaginando que eram grupos que queriam fugir sem pagar a consumação. Além disto, ao menos um dos extintores de incêndio da boate não estava funcionando, segundo relatos dos frequentadores.
A catástrofe é semelhante ao incêndio que consumiu, oito anos atrás, a boate Cromanon, na capital da Argentina, Buenos Aires, no qual morreram 194 pessoas. Os portenhos se indignaram com a semelhança dos dois eventos: jovens mortos por causa da ambição e da falta de fiscalização pelas autoridades públicas.
Existe uma lição a ser aprendida a cada tragédia. Na capital paulista, por exemplo, foi determinado que as inspeções sejam mais detalhadas e organizou-se um grupo de estudos para reduzir as exigências administrativas na legalização de bares e casas noturnas. Muitos estabelecimentos brasileiros não conseguem vencer a burocracia e acabam funcionando na ilegalidade, sem cumprir as exigências de segurança.
Diversos incêndios ficaram registrados na história. A seguir, relacionamos alguns deles.
Nero e o incêndio de Roma
Conta e lenda que o imperador romano Nero decidiu, no ano 64, pôr fogo em Roma, para construir uma cidade mais elegante, e depois pôs a culpa nos cristãos. Efetivamente, ocorreu um grande incêndio na cidade, que destruiu um quarto das construções.
Historiadores afirmam, porém, que o imperador não teve culpa – ao menos neste episódio: provavelmente o incêndio teve início com uma fogueira, acesa para proteger o povo do frio num dos muitos bairros pobres da Cidade Eterna, exatamente onde morava a maioria dos cristãos.
O grande incêndio de Londres
Muitos incêndios tornaram-se tristemente famosos. Em 1666, Londres foi praticamente consumida por um incêndio que ardeu durante nove dias, no início de setembro. O fogo começou numa padaria, em plena madrugada. Como boa parte das casas era de madeira, as chamas se alastraram rapidamente, atingindo monumentos históricos, como a Catedral de Santa Margarida e as docas do rio Tâmisa, onde estavam armazenados centenas de litros de combustível.
Temendo ter de arcar com indenizações, as autoridades inglesas inicialmente proibiram a demolição de casas, providência que poderia ter reduzido as proporções da catástrofe, que destruiu 85% das edificações da capital britânica. Apesar de ter destruído milhões de quilômetros quadrados, o incêndio matou apenas 16 habitantes.
Fogo em Chicago
Chicago, no estado americano de Illinois, é uma cidade úmida. Em média, a precipitação pluviométrica mínima é registrada em fevereiro, com 45 mililitros de chuva. No verão de 1871, entretanto, ocorreu uma seca incomum na região, com apenas 25% da precipitação normal. A queda de um lampião em um estábulo da cidade iniciou o fogo.
O grande incêndio alastrou-se rapidamente por toda a região urbana, levado por ventos fortes e secos. Causou a morte de 300 pessoas e deixou outras 90 mil desabrigadas, gerando prejuízos de US$ 200 milhões. A cidade foi rapidamente reconstruída.
Terremoto na Califórnia
Em abril de 1906, um terremoto de magnitude 8.0 na escala Richter atingiu em cheio a cidade de São Francisco (EUA). Além de abalar diversas estruturas, o “Great Quake”, como ficou conhecido, rompeu tubulações de gás e quebrou lampiões de querosene usados na iluminação pública. O fogo ardeu por três dias e, como o encanamento de água também foi danificado, os bombeiros tiveram que demolir alguns edifícios para impedir que a tragédia tomasse maiores proporções.
Embora os dados oficiais registrem 478 mortes, estima-se que mais de três mil pessoas tenham sucumbido no incêndio. Mais de 250 mil pessoas ficaram desabrigadas. Historiadores relatam que muitos incêndios foram ateados intencionalmente, por pessoas de má-fé interessadas em receber o seguro. Mais de 500 casas foram destruídas.
Incêndios no Brasil
O maior incêndio no Brasil ocorreu em dezembro de 1961, em Niterói (RJ). O Gran Circus Norte-Americano anunciava ser o maior circo da América Latina, com 60 artistas e 150 animais. O circo instalou-se na Praça Expedicionário e, para levantar a lona, contratou muitos trabalhadores avulsos. Um deles foi demitido e resolveu vingar-se (em outras versões, um malabarista descontente foi o responsável).
Numa das apresentações, o circo estava tão lotado que as vendas de ingressos foram suspensas uma hora antes do início da sessão. Três mil pessoas estavam na plateia. A lona, revestida de parafina, rapidamente foi tomada pelas labaredas intencionalmente provocadas. Cerca de 500 pessoas morreram na tragédia, a maioria crianças.
Ao contrário do que diz a música do “Premeditando o Breque”, nem sempre é lindo “andar na cidade de São Paulo”. Em 1972, o fogo consumiu o Edifício Andraus, no centro da capital. O incêndio teve início no segundo andar do “prédio da Pirani”, como o prédio ainda é conhecido (Pirani era uma loja famosa à época, hoje desativada), provavelmente em função de uma sobrecarga do sistema elétrico, e alastrou-se por todo o prédio, atingindo inclusive o subsolo. Oficialmente, o incêndio matou 16 pessoas. A ditadura militar tinha o hábito de minimizar tragédias.
Dois anos depois, o Edifício Joelma (atualmente Edifício Praça da Bandeira) ardeu em chamas. O prédio tem 25 andares (dez de garagens). Um curto-circuito foi suficiente para queimar carpetes, móveis de madeira e cortinas de tecido. Em 15 minutos, era impossível descer as escadas, tomadas pela fumaça. As labaredas atingiram alturas imensas: apesar de o prédio situar-se no final de uma ladeira íngreme, o fogo era visível no centro do bairro, acima de um prédio de quase 30 andares nas imediações. Morreram 184 pessoas, muitas delas atirando-se das janelas: uma visão terrível.
A Vila Socó é um bairro popular de Cubatão (SP). Em 1984, dezenas de barracos estavam construídos sobre as tubulações da refinaria de petróleo da cidade e muitos outros em palafitas sobre o mangue. Um vazamento foi o suficiente para provocar um grande incêndio: funcionários da refinaria não tomaram nenhuma providência quando começaram a chegar telefonemas informando sobre o forte odor de combustível que se alastrava pela região.
Madeira e “gatos” de eletricidade – instalações clandestinas para levar energia dos postes públicos aos barracos – foram os principais fatores que provocaram o incêndio. 500 casas foram destruídas em minutos, matando 100 pessoas, deixando milhares de feridos e desabrigados. Calcula-se que 700 mil litros de gasolina tenham alimentado o fogo.