É um “barato” rápido e intenso, que deixa a sensação de “quero mais”. Além dos efeitos rápidos, o crack é uma droga barata: uma pedra custa entre R$ 5 e R$ 10, e pode ser encontrada em qualquer boca de fumo. Em três décadas, o crack cobrou um alto preço, tanto dos usuários, quanto da sociedade. A droga provoca problemas físicos e emocionais bastante sérios, deixando à margem da vida muita gente que poderia estar trabalhando, estudando, namorando, produzindo.
O crack é uma mistura de pasta de cocaína não refinada, bicarbonato de sódio e qualquer outro pó branco que esteja à mão dos traficantes. O nome foi dado porque ocorrem pequenos estalos quando a droga é consumida. Uma pedra de crack contém entre 75% e 90% de cocaína pura.
As pequenas pedras podem ser cinco mais potentes do que a cocaína inalada em forma de pó. Os efeitos são rápidos (os pulmões conseguem absorver quase 100% da substância inalada, que é imediatamente depositada na corrente sanguínea e levada para o cérebro em segundos), mas dura muito pouco tempo – entre cinco e dez minutos.
Nestes momentos de êxtase, as pupilas se dilatam, o ritmo cardíaco é acelerado, a pressão sanguínea é elevada e surge um intenso prazer, acompanhado de euforia, excitação, insônia, hiperatividade, falta de cansaço e de apetite. O “barato” é semelhante ao da cocaína, mas muito mais potencializado.
Parece bom, mas não é. Imediatamente depois da viagem, instala-se uma profunda depressão, superada apenas por uma nova dose – e outra, e outra. É exatamente isto que gera a dependência: o usuário quer mais, sempre mais, e a qualquer custo.
A principal forma de consumo do crack
Os usuários de crack inalam a droga em cachimbos. Quem tem dinheiro para sustentar o vício compra os mais famosos, como o apple, straight, volcano, chuchwarden, objetos de desejo entre fumantes de tabaco e colecionadores. Quem não tem – e é a maioria – improvisa com o auxílio de latas, garrafas plásticas, canetas e canudos.
Quem já passou por uma cracolândia – “ponto turístico” cada vez mais comum nas grandes e médias cidades brasileiras – conhece o aspecto deprimente dos muitos “noias” que perdem casa, família e amigos para manter o seu vício. Depois, claro, de vender todos os eletrônicos e eletrodomésticos da casa e gerar muitos conflitos.
A cocaína
É uma droga extraída de folhas de coca, planta bastante comum no noroeste da América do Sul (especialmente no sopé dos Andes).
Relativamente recente como droga, que é produzida com as folhas da planta (Erytrhoxylum coca), solventes, ácido sulfúrico, querosene e outras substâncias, é um vício caro, mas tem como subproduto o crack, um “resto” da produção.
As folhas de coca já eram conhecidas pelos europeus desde o século XVI, quando foram introduzidas por exploradores da América para tratar gripes e resfriados. Realmente, a planta aumenta a resistência orgânica e minimiza os sintomas das infecções respiratórias e é um excelente auxiliar nas cansativas caminhadas dos colonizadores.
O crack chegou ao Brasil quando se intensificou o combate à produção de cocaína, especialmente na Colômbia e Peru. A droga, antes processada nestes países, passou a ser produzida na fronteira. Rapidamente chegou às grandes cidades – daí, para o mundo.
Os efeitos do crack
Pais e educadores têm o costume de tentar incutir na mente de crianças e adolescentes: “a droga é uma droga”. Isto é um erro: drogas permitem a vivência de um extremo prazer, inexistente em qualquer outra substância que se possa experimentar. Quando um jovem tem contato com drogas (lícitas ou ilícitas, aqui incluído o álcool), ele pode se render à dependência.
O problema surge justamente neste ponto, quando a dependência é instalada e, a partir daí, o “barato” praticamente desaparece. A droga continua a ser consumida, mas apenas para que a larica desapareça. No caso do crack, larica significa fome, sono, cansaço e, no longo prazo, inapetência, falta de prazer sexual e depressão.
O uso continuado do crack, com a contínua falta de fome, gera a instalação da desnutrição e perda de peso. O vício provoca queimaduras nos lábios, língua e laringe. Congestão nasal, expectoração de muco preto, tosse e danos sérios aos pulmões são as consequências inevitáveis. Durante a “viagem”, o usuário fica mais sensível aos estímulos do tato, olfato e audição, sentidos que ficam prejudicados nos períodos de abstinência.
Os adictos em crack apresentam comportamento violento e são facilmente irritáveis – o vício requer doses cada vez mais constantes e a impossibilidade de obter as pedras só aumenta estes efeitos. O cansaço – que, para um dependente, parece insuperável – leva ao sono ou à busca de mais crack a qualquer custo.
Com o tempo, tremores, paranoia e desconfiança extrema se instalam. O usuário de crack tem medo de perder a droga e, com isto, se isola cada vez mais. A droga ataca as células cerebrais, provocando sérias perdas cognitivas. Ao mesmo tempo, o tônus muscular se enfraquece, impedindo quaisquer esforços físicos.
A instalação do vício
A dependência é quase imediata: poucas vezes de uso do crack são suficientes para que a pessoa se torne viciada (número depende de cada pessoa, já que o vício possui um forte componente psicológico). O sofrimento intenso causado pela falta da droga gera ansiedade, agressividade e depressão. Sentimentos de amizade e carinho se tornam cada vez mais raros.
O crack age em uma região do cérebro chamada área tegmental ventral. A droga interfere na liberação da dopamina, neurotransmissor envolvido com as sensações de prazer e bem-estar. Em condições normais, a dopamina é reabsorvida pelo neurônio que a liberou, mas a droga interfere neste processo; o neurotransmissor continua estimulando outras células nervosas, criando o sentimento de empolgação por parte do usuário.
O crack altera o sistema de recompensa do cérebro. A necessidade de experimentar o prazer gerado pela dopamina, em pouco tempo, determina a incapacidade de controle: vale tudo para repetir a sensação vivenciada por alguns instantes.
Esta overdose do neurotransmissor obriga o organismo a destruir parte da dopamina ou a bloquear os receptores das células nervosas – ninguém consegue viver em permanente estado de excitação. Com isto, o usuário precisa de doses cada vez maiores para obter o efeito desejado. Esta “reprogramação” do cérebro determina que, para o funcionamento correto, é preciso que o crack esteja atuando.
Bebês expostos ao crack durante a gestação sofrem danos cerebrais permanentes, com a consequente perda de funções cognitivas. Abortos espontâneos, nascimentos prematuros e bebês abaixo do peso são outras consequências do uso da droga.
Curiosamente, são poucos os dependentes que morrem em consequência direta do vício. Um estudo da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) demonstra que 56,5% dos falecimentos ocorrem por assassinatos. Infecções por fungos, vírus e bactérias são comuns, em função da partilha dos cachimbos. A AIDS responde por 26% dos óbitos e as overdoses, por 9%.
Combinado com bebidas alcoólicas, o crack é metabolizado no fígado, que produz uma substância chamada cocaetileno, potencialmente fatal. Ela aumenta os efeitos da droga, mas contribui para o aumento súbito da pressão arterial, sendo responsável por muitas mortes.
No longo prazo, o crack pode levar a um infarto do miocárdio ou a um acidente vascular cerebral, graças a um rápido aumento da pressão arterial. O uso excessivo também provoca contrações no peito, seguidas de convulsões. O coma é comum nas overdoses.
O mercado da droga
O Brasil, infelizmente, é o campeão no consumo de crack: um em cada cinco dependentes vive aqui (já são milhões de dependentes, de acordo com estatísticas oficiais). Pode-se dizer que enfrentamos uma epidemia de crack. Entre os usuários, 70% têm entre 18 e 34 anos.
O comportamento estereotipado dos fumantes de crack motivou a produtora O2 (a mesma do filme ”Cidade de Deus”) a criar o curta “Zumbis: a Origem”, com depoimentos reais de dependentes. O filme é veiculado em salas de cinema de todo o país, como alerta para os problemas causados pela droga.
O tratamento
Ainda não existem drogas específicas para o combate ao crack. Especialistas vêm experimentando o uso da selegilina (desenvolvida para amenizar os sintomas do mal de Parkinson), que reduz o metabolismo da dopamina. O disulfiram, adotado contra o alcoolismo, provoca reações físicas negativas, como náuseas e vômito, toda vez que o crack é inalado. Antidepressivos ajudam a tratar as mudanças de humor geradas pela abstinência.
O tratamento mais comum é a terapia cognitiva comportamental, com os pacientes internados ou em regime ambulatorial. Pessoas com vício grave, problemas criminais ou doenças mentais podem passar até um ano em centros terapêuticos, em um processo de reabilitação.