Qualquer estudante do ensino fundamental sabe o que significa o bullying, o comportamento agressivo de alguns valentões sempre presentes nas escolas. O termo é inglês e equivale ao português “bulimento”, que originalmente se referia a movimentos de guerra e atualmente está relacionado a atrapalhar, importunar, prejudicar. Com a popularização da internet, esta chateação – que pode chegar à agressão física – foi parar nas redes sociais na forma de calúnias, difamações e até o incentivo a brigas e crimes: assim surgiu o cyberbullying.
As brincadeiras e “zoações” são comuns – e normais – na escola, no clube, na reunião de colegas que moram próximos uns aos outros. Elas fazem parte do desenvolvimento emocional e muitas vezes contribuem para corrigir pequenos vícios e defeitos. Na escola, muitos alunos as consideram a melhor parte do dia. O cyberbullying começa quando estas brincadeiras são regadas com prepotência e crueldade. Como se pode ver, o autor do constrangimento é sempre alguém maior, mais velho ou mais “popular”. Vários filmes de Hollywood estão repletos de intimidações por parte dos membros das equipes de esportes; as vítimas são sempre os “nerds”.
O cyberbullying se difere de uma brincadeira inocente basicamente em função da constância com que é praticado. Dois ou mais colegas podem se insultar e até chegar a uma briga real, em função de uma questão pontual. O constrangimento permanente, por outro lado, não apresenta razões aparentes: o bulidor sente prazer em ridicularizar a sua vítima de forma metódica.
Quem nunca sofreu bullying certamente conhece alguém que já passou por este constrangimento, que vai dos meros xingamentos públicos a um contato nas redes sociais, até a publicação de fotos íntimas de ex-namorados. O fenômeno, como se vê, não ocorre apenas nas escolas: atinge pessoas de todas as faixas etárias (apesar de ser mais frequente entre jovens), no ambiente de trabalho, na vizinhança.
A má notícia é que o problema conseguiu transpor a fronteira entre o mundo real e o virtual. O cyberbullying (ou bullying cibernético) está presente em muitos relacionamentos online, prejudicando e até traumatizando muitas pessoas.
Infelizmente, a rede mundial de computadores, que, em tese, deveria servir para facilitar as comunicações e aproximar as pessoas, facilitando a vida em diversas atividades – do bate-papo aos pagamentos online, passando pelas compras sem sair de casa –, está sendo usada para difamar e insultar conhecidos e desconhecidos. A simples divulgação de uma foto constrangedora – a mostra da vítima nua ou em roupas íntimas, alcoolizada, portando drogas ou armas – já é suficiente para dar início a uma corrente infindável de agressões.
Os meios virtuais utilizados para a divulgação de conteúdos agressivos e ofensivos sobre colegas, parentes e até mesmo dos próprios pais são os blogs, fotologs, comunidades, e-mails e torpedos. Em muitas situações, o caluniador cria um perfil falso, para poder atacar na garantia do anonimato.
Para quem acredita poder praticar o cyberbullying mantendo a identidade real sempre oculta, segue um conselho: o computador de origem das ridicularizações pode ser identificado com o rastreamento do IP (internet protocol), uma espécie de endereço da conexão com a rede social. A Polícia Federal já conseguiu desbaratar uma quadrilha virtual de pedofilia baseada na deep web (série de endereços não encontrados em pesquisas nos buscadores, como Google, Cadê, etc.); encontrar um caluniador é com certeza muito mais fácil.
Cyberbullying em números
Recente pesquisa da Universidade de Campinas, com adolescentes de 13 e 14 anos, revela que metade dos jovens afirma ter praticado cyberbullying ao menos uma vez – e ter sentido satisfação pessoal com a prática. O estudo indica que 90% da população nesta faixa etária conhecem as consequências desta atividade intolerante. Trata-se de um crime, que pode levar a um processo judicial e à detenção dos responsáveis.
O cyberbullying é uma séria inversão de valores, em que a bondade, compreensão, respeito e generosidade cedem lugar, perdendo seu valor nos relacionamentos sociais. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) também foi a campo. Em um estudo numa escola particular de Valinhos (SP), o instituto constatou que 20% dos adolescentes de 13 a 15 anos já praticaram bullying, o constrangimento real (às vezes físicos) com ao menos um colega.
Vários estudos internacionais indicam que a prática do cyberbullying é ainda mais frequente: 35% dos adolescentes de países como EUA, Inglaterra, Alemanha e França admitem serem os autores frequentes de piadas inadequadas contra colegas, ou ao menos terem contribuído para divulgar estas postagens das redes sociais.
Os motivos
As vítimas são os “diferentes”: negros, afeminados, gordinhos, muito altos. Qualquer característica que fuja ao padrão tido como normal é motivo para piadas e intimidações. Vale lembrar que a humanidade sempre evitou os indivíduos de fora do grupo (da aldeia, cidade, etc.). O termo “estrangeiro”, aliás, deriva de “estranho”.
Mas, a miscigenação é fundamental para garantir a variedade genética. Tribos que não permitiram a entrada dos “diferentes” foram simplesmente exterminadas na primeira mutação severa do vírus causador de uma gripe.
O cyberbullying permitiu ridicularizar pessoas antes consideradas intangíveis, como os professores. É comum que grupos de estudantes se ocupem em divulgar mensagens negativas sobre os mestres nas redes sociais, muitas vezes apenas por causa da postura mais rígida em sala de aula. Em outras situações, desconhecidos são atacados – e os insultos são multiplicados exponencialmente nas curtidas e compartilhamentos.
Os praticantes do cyberbullying, quase todos na fase da adolescência, podem acreditar serem “os caras mais badalados da turma”, mas, na verdade, são apenas pessoas insensíveis, insensatas, inconsequentes e sem limites. Os responsáveis precisam corrigir este defeito moral, mas, em muitos casos, eles próprios incentivam a conduta inadequada e ilegal dos filhos ou alunos.
O cyberbullying ameaça o direito à educação, ao desenvolvimento emocional adequado, à saúde, à dignidade e mesmo à sobrevivência. As vítimas se tornam vulneráveis, indefesas, com medo e vergonha de suas próprias características, fatores que favorecem a baixa autoestima e a vitimização crônica, por toda a vida.
O bullying, real ou virtual, assume como características a alta frequência de atitudes agressivas, morais, psicológicas ou físicas e merece cuidados especiais por parte de pais e professores (e toda a equipe técnica das escolas). É fundamental manter um olhar preventivo e adotar medidas para reduzir a prática na escola e na vizinhança.