Uma famosa atriz entra numa loja e sorrateiramente subtrai uma bijuteria exposta numa gôndola. O adolescente aproveita o momento em que está sozinho na sala de aula e recolhe todos os restos de giz deixados no quadro negro. O rabino aproveita pra roubar gravatas durante uma viagem ao exterior. Todos estes são casos de cleptomania, mal classificado como transtorno do controle dos impulsos.
Dois destes casos ficaram famosos: a atriz americana Winona Ryder frequentou os noticiários policiais por roubar objetos de pouco valor em diversas lojas. O rabino brasileiro Henry Sobel, figura importante no processo de redemocratização do país, nos anos 1970, foi preso nos EUA, acusado de furtar cinco gravatas, no valor aproximado de 700 dólares.
Em ambos os casos, os dois acusados relataram não ter efetuado os furtos, apesar de flagrantes registrados por câmeras de vigilância. Provavelmente, agiram inconscientemente, sem noção da gravidade dos atos. Em outras situações, o cleptomaníaco percebe que está cometendo uma ação ilegal, contrária a seus princípios éticos, mas a compulsão impede que os atos sejam cometidos.
Em muitos casos, os objetos furtados possuem pouco ou nenhum valor, como no caso dos restos de giz. A compulsividade, no entanto, praticamente obriga os pacientes ao ato, que, legalmente, é punível com multas e até restrição da liberdade. Os impulsos são recorrentes.
A diferença entre o simples roubo e a cleptomania é que o portador da doença sente intenso prazer ao apossar-se do objeto cobiçado, enquanto o ladrão permanece tenso durante a ação, obtendo a satisfação apenas em função da vantagem econômica obtida. A compulsão cleptomaníaca pode ficar longos períodos sem se manifestar, ao contrário de quem “ganha a vida” com atos ilegais.
Os doentes nunca utilizam violência nem se expõem a riscos, apesar de não agirem plenamente conscientes do que fazem. O objeto roubado não tem interesse especial para o cleptomaníaco: o que o move é o ato de roubar em si.
Além do prazer, caracterizam a cleptomania os fracassos acumulados em resistir ao roubo e a falta de relação entre o ato e qualquer outro sentimento, como a raiva, o ódio e o desejo de vingança. A doença pode ser esporádica, quando o paciente consegue controlar-se por longos períodos, até a recidiva, episódica, quando os roubos ocorrem com frequência, e crônica: são casos raros, em que o descontrole é muito elevado, os objetos furtados avolumam-se (e quase sempre são descartados) e outras fontes de prazer, como a alimentação e o sexo, são desprezados.
A culpa derivada destes atos gera diversos complexos. O portador do distúrbio identifica os objetos roubados – alguns deles retirados da casa de amigos –, sente remorso e tenta compensações, como a oferta de presentes ou compras desnecessárias nas lojas e casas prejudicadas.
A cleptomania é um hábito socialmente reprovado e, por isto, dificilmente aceito pelo doente que a enfrenta. Este é o principal motivo pelo recurso tardio ao tratamento. Geralmente, o acompanhamento psicoterápico só é procurado depois que uma série de vexames prejudica gravemente os relacionamentos pessoais e profissionais.
Praticamente todos os pacientes com transtornos emocionais tendem a não aceitar o fato. Um desconforto físico é prontamente medicado e, se persistir, o auxílio médico é procurado. Doenças mentais, no entanto, costumam ser negligenciadas. Em casos de cleptomania, soma-se a este fato o preconceito social. Isto dificulta diagnóstico e tratamento.
O distúrbio geralmente surge no fim da adolescência e não apresenta outros sinais. Enquanto as ocorrências não surgem, não é possível detectar a cleptomania. Em muitos casos, ocorre remissão espontânea, fato ainda não estudado à exaustão. As mulheres são mais afetadas do que os homens e a doença afeta 0,6% da população.
A psicologia ainda não estabeleceu um consenso sobre o melhor tratamento para a cleptomania. Terapia orientada ao insight, psicoterapia comportamental cognitiva e até o uso de medicamentos para bloquear os impulsos são os procedimentos mais comumente utilizados.