A circuncisão, ou exérese do prepúcio, é um procedimento cirúrgico que consiste na remoção do prepúcio, uma prega cutânea que recobre a glande do pênis. É uma das cirurgias mais comuns no mundo, mas, entre os judeus, ela adquire contornos religiosos. Por isto, como todo membro do sexo masculino da comunidade judaica, Jesus foi circuncidado no oitavo dia de vida, como manda a lei mosaica.
A prática é um sinal de união com Deus. Normalmente, é neste momento que a criança recebe seu nome. Tornou-se obrigatória a partir de um livro cuja autoria é atribuída a Moisés, Levítico. A circuncisão tornou-se tão importante entre os judeus que, mesmo se oitavo dia caísse em um sábado, dia dedicado ao Senhor em que nenhuma atividade pode ser feita, o corte ritual do prepúcio precisa ser realizado.
Jesus e seus discípulos fundaram uma nova religião e, para os cristãos, ele é identificado com o próprio Deus. Por isto, qualquer coisa relacionada a ele revestiu-se de caráter milagroso e santo: a túnica (a tradição diz que ela não tinha costuras e cresceu à medida que o jovem se desenvolvia), a cruz em que foi martirizado, o sudário, etc.
De acordo com o Novo Testamento, Jesus ressuscitou no domingo seguinte à sua morte e posteriormente ascendeu ao Paraíso em corpo e alma. Este é um artigo de fé para a maioria das confissões cristãs. Por isto, a importância do prepúcio ampliou-se exponencialmente: ele seria um pedacinho de Deus deixado na Terra.
A circuncisão de Jesus é citada no Evangelho segundo Lucas e em alguns livros apócrifos – nestes, consta que o prepúcio foi colocado em uma jarra com água e essências aromáticas.
As relíquias sempre figuraram na história da Igreja Católica, mas se tornaram ainda mais importantes a partir da Idade Média. Elas estão relacionadas não apenas a Jesus, mas a muitos santos e até os reis magos, cujos restos mortais estariam guardados na Catedral de Colônia, na Alemanha.
A origem da crença
A primeira notícia sobre o prepúcio de Jesus é de Carlos Magno, rei francês e também imperador do Sacro Império Romano Germânico, que perdurou entre 800 e 1806. A lenda diz que a relíquia foi entregue ao soberano por um anjo, mas, em outras versões, o crédito é dado a Irene de Atenas, imperatriz do Império Romano do Ocidente de 797 a 803.
Vários milagres foram atribuídos ao prepúcio de Jesus. No século XII, a relíquia foi levada da Abadia de Charroux para Roma e apresentada ao papa Inocêncio III, a quem foi pedida a avaliação da autenticidade, mas o líder da Igreja Católica recusou-se.
Tempos depois, no século XVI, outro papa, Clemente VII, declarou ex-cathedra (oficialmente) que o prepúcio era verdadeiro, fruto do corpo de Jesus. Indulgências (perdão dos pecados) começaram a ser concedidas a quem peregrinasse para venerar a relíquia.
A relíquia também teve papel importante na vida da princesa francesa Catarina de Valois. Talvez este seja outro prepúcio de Jesus, já que o “oficial” estava em Roma. Em 1421, a princesa, casada com Henrique V, da Inglaterra, esperava o primeiro filho e, para reduzir os incômodos, pediu que fosse trazido o prepúcio. Consta que ela teve um parto totalmente indolor.
Em 1527, foi a vez de os inimigos do Vaticano comprovarem a autenticidade do prepúcio de Jesus. Durante o saque de Roma pelas tropas de Carlos V, imperador da Áustria, levaram uma virgem até a relíquia, que logo demonstrou as suas propriedades milagrosas, aumentando visivelmente de tamanho. O pedaço de pele desapareceu e só foi reencontrado 30 anos depois.
Existem outros prepúcios de Jesus pela Europa – e todas as igrejas reclamam a sua autenticidade em detrimento dos demais. 18 cidades garantem que a relíquia ali guardada é verdadeira. Na pequena vila de Auverne (França), no século XIX, duas igrejas reclamavam a posse do pedaço de pele.
As relíquias que obtiveram maior destaque surgiram em Besançon, Metz e Puy-en-Velay (França), Santiago de Compostela (Espanha), Antuérpia (Bélgica), Hildesheim (Alemanha) e Calcata (Itália).
Nesta última cidade, a relíquia era apresentada aos fiéis anualmente, em uma procissão no dia 10 de janeiro, até 1983, quando foi roubada da igreja. Entre os suspeitos, estão relacionadas seitas secretas, sociedades satânicas, a Maçonaria e até o próprio Vaticano.
Contradições
Além do fato de um pedaço de pele ter sobrevivido por dois mil anos, outras condições depõem contra o prepúcio de Jesus. O aparecimento tardio, apenas no século IX, é um deles. Some-se a isto a distância entre Israel e a França, e o fenômeno se torna ainda mais inacreditável.
Os devotos atribuem às propriedades miraculosas às relíquias. Um simples retalho da capa de um santo pode curar doenças e até mesmo livrar o fiel da morte. O prepúcio de Jesus, se existisse, teria o dom de promover grandes maravilhas.
Já no século XVIII, a relíquia era alvo de ironias. Voltaire, em “Tratado sobre a Tolerância” (1763), refere-se ao prepúcio de Jesus de forma desrespeitosa (ao menos para os padrões religiosos), mas diz que é melhor adorar um prepúcio do que detestar e perseguir os inimigos.
Durante o século XX, com o desenvolvimento do espírito crítico, da ciência e da tecnologia, a própria Igreja Católica se afastou da adoração das relíquias em geral – inclusive o prepúcio de Jesus. Nos seus pronunciamentos oficiais, o Vaticano declarou que esta é mais uma lenda de fiéis, mas deve ser respeitada em função da tradição.