O inferno é uma concepção relativamente recente. Diversos povos antigos interpretavam as regiões subterrâneas como local de destino feliz ou infeliz dos seres humanos, basicamente em função de sua conduta em vida. Em algumas culturas, como a judaica, a palavra Sheol designava apenas uma sepultura coletiva, em contraposição a Tafos, uma sepultura individual.
O destino da maioria das pessoas, depois da morte, era a sepultura coletiva, já que os túmulos individuais eram quase sempre destinados a reis, grandes guerreiros e ricos. Para demonstrar a importância de Jacó, cuja descendência herdaria a Terra Prometida, o Livro da Gênese narra sobre a compra de uma sepultura para Raquel, a mulher do patriarca. Ter um sepulcro indicava a importância da família.
Posteriormente, Sheol passou a designar as tais regiões subterrâneas e, para separar bons e maus, foi isolado da Geena, que originalmente significava o fogo aceso junto às portas das cidades para queima do lixo (atitude bem pouco ecológica para os dias de hoje).
Os gregos
Sheol e Tafos possuem origem grega, fato que demonstra a influência grega na região. Sheol deriva de Hades, com o mesmo significado. Mas a engenhosidade dos gregos fez com que Hades se tornasse o deus dos mortos, na divisão entre o Céu (que ficou para Zeus) e o oceano (para Poseidon). Ele não designava uma divindade má: apenas controlava para que mortos e vivos não se separassem.
Posteriormente, os gregos dividiram o inferno entre os Campos Elíseos, local de morada final dos justos, e o Tártaro, para punição dos maus (o fogo, uma das maiores tragédias na terra, era o mais comum). Em um texto para a educação de seu pupilo, Telêmaco (um herói mitológico), o preceptor Mentor narra a rotina de diversos maus reis: alguns são condenados a eternamente a empurrar uma pedra morro acima (para finalmente vê-la rolar até o vale); outros são constantemente castigados e insultados por escravos a quem ofenderam em vida.
Mesmo assim, havia saídas para as almas do Tártaro (e também para os Campos Elíseos): um herói poderia libertá-las e mesmo arrebatá-las para o Olimpo, a morada dos deuses. O poeta Orfeu enfrentou os desafios do Sheol (que originalmente parece ter significado “lugar desconhecido”) para libertar sua amada Eurídice.
O inferno cristão
Neste período da humanidade, uma condenação eterna era impossível, até porque a cronometragem e o valor do tempo eram diferentes dos nossos. Mesmo assim, mantemos algumas expressões, como “o tratamento demorou uma eternidade”, “ela demorou um século viajando” ou “esta aula nunca mais vai acabar”, sabendo que nada disto ocorre de fato, mas todas elas demonstram a nossa perplexidade com a eternidade: somos finitos.
O Catolicismo definiu (e as igrejas protestantes mantiveram) o dogma do inferno. Para os católicos, dogma é uma é uma verdade incontestável, que se explica sem necessidade de grandes raciocínios. O principal argumento para a existência é o de que o castigo é proporcional à dignidade do ofendido. Portanto, às ofensas a Deus, devem-se seguir castigos de mesma magnanimidade. Um dos defensores desta tese é São Justino, um dos primeiros mártires da hagiologia católica.
Mas a característica principal da existência do inferno é que Deus nos fez livres, para decidirmos se vamos amá-lo ou não. Esta definição chegou a conclusões como: “Deus que nós o amemos; para isto, temos de frequentar a igreja (ou templo), cumprir os mandamentos do Pai”, etc. Como são várias as determinações divinas na Bíblia, muitas são as interpretações daí advindas, tais como o pagamento do dízimo, a frequência semanal, etc.
O inferno cristão está sempre relacionado a pecados e descumprimentos. As almas dos eleitos – aquelas que irão para o paraíso – são aquelas virtuosas, que vivem uma vida santa desde a Terra. As demais, com necessidade de purificação, seguiriam para o Purgatório (fato negado pela maioria das correntes protestantes).
O Cristianismo reavivou a figura do Diabo, presente em diversos trechos do Antigo Testamento, que teria tentado o próprio Jesus: ele mostrou os reinos da Terra e disse ao filho de Deus: “Tudo isto será teu, se, prostrado, me adorares”. O trecho consta do Evangelho segundo Mateus, que mostra as recusas de Jesus às ofertas de Satanás.
O Diabo, no entanto, teria sido criado logo no início, como um anjo de luz. No entanto, ele se rebelou contra o Todo-Poderoso e, por isto, foi precipitado no abismo (nas primeiras versões, nas águas abismais sob a Terra, à época considerada plana). Ali seria a localização do inferno, até que venha o Juízo Final sobre os condenados, o Diabo e os demônios (anjos que, como ele, teriam se rebelado contra a Divindade e tentado tomar o seu poder).
O inferno do Islamismo
No Corão, livro sagrado os muçulmanos, há descrições bastante detalhadas sobre o inferno (e também sobre o paraíso, que se localiza acima do universo físico). O local de castigos é visto como um poço de tormento ardente. As crenças são muito semelhantes às do Cristianismo, com os adendos do profeta Maomé à verdadeira religião.
Atualmente, muitas correntes islâmicas discutem de o inferno e suas descrições, com os fossos de labaredas e mármores ferventes, são reais ou apenas alegorias. Ao contrário do imaginário ocidental, em que o Islamismo é considerado bárbaro e cheio de penalidades, não há valores absolutos, com exceção à unidade divina. Mesmo a Jihad, quase sempre traduzida como “Guerra Santa”, é identificada como uma batalha individual para que o fiel se torne caridoso, leal, etc.
O inferno islâmico, assim, varia de acordo com os grupos que o discutem, da mesma forma que algumas determinações bíblicas podem ser ignoradas por alguns e mantidas integralmente por outros. É o caso, por exemplo, da alimentação: se não houver outra coisa, os muçulmanos acreditam, em maioria, que devem comer carne de porco (proibida por Moisés) para sobreviver: um medicamento que contenha álcool na formulação não significa que os pacientes que o utilizaram sigam direto para o inferno: se não há outra opção, esta é a opção que Alá determina.
Judaísmo hoje
Não há um conceito claro no Judaísmo atual sobre o inferno. A Geena, descrita em alguns trechos do Antigo Testamento como um lugar malcheiroso e desagradável para punir os maus (o mau cheiro era provocado porque os antigos judeus acrescentavam enxofre às fogueiras para apressar a queima do lixo e do entulho), pode ser entendido como local em que as almas se purificam e se transformam, para que finalmente possam ascender ao paraíso.
A descrição é semelhante à proposta pelo Espiritismo, que não admite a existência do inferno, mas de locais infernais em que o desencarnado sofre, reflete e finalmente toma resoluções mais producentes. O destino, no entanto, não é o céu dos eleitos, mas um período de estudos e uma nova vida na Terra. As religiões reencarnacionistas não acreditam no inferno.