Quando um irmão um pouco maior percebe que a barriga da mãe está crescendo, ele fica alarmado. Afinal, o que estaria acontecendo? Muitos pais poderiam explicar que há um “bebê a bordo”, mas existem casais que preferem utilizar alguns mitos, tais como: “mamãe olhou muito para a Lua Cheia” ou “mamãe comeu muita melancia”.
Quando os bebês finalmente chegam, a história mais comum é a da cegonha. Seria mais fácil explicar que a concepção, gravidez e parto são situações normais da vida conjugal, mas sexo ainda é um tabu entre nós e, por isto, tudo que é relacionado a ele tende a ser escondido.
Continuamos pensando que “a carne é fraca”. Mas, afinal, como a cegonha surgiu nesta história?
A cegonha
Esta ave vive em campos abertos, margens de riachos e lagoas, zonas pantanosas, campos úmidos, várzeas, pastagens e falésias (regiões em que há um encontro abrupto entre a terra e o mar, como um paredão rochoso).
A cegonha atinge um metro de altura e pesa cerca de três quilos. É uma ave migratória e monogâmica, que não emite sons vocais (apenas bate o bico para se comunicar com o bando). As mães cegonhas são muito protetoras: quando chove, elas abrem as asas para proteger os filhotes indefesos (entre três e cinco a cada postura).
Na Idade Média, os europeus acreditavam que a fêmea infiel era punida pelas outras fêmeas do bando. Isto gerou uma “lei” curiosa: a opinião das cegonhas pesava contra ou a favor dos sentenciados à morte. Se uma destas aves pousasse próximo ao local onde o cadafalso estava instalado, ou se voasse em círculos nas proximidades do local de execução, o condenado era libertado; acreditava-se que teria havido um erro no julgamento.
O Antigo Testamento classifica a cegonha como uma ave “impura”. Isto, no entanto, significa apenas que ela não é adequada para a alimentação humana. Na Europa e no Oriente Médio, a cegonha é considerada um símbolo de bom augúrio: como a ave sempre procura ambientes quentes, a sua chegada significa a proximidade do verão.
Trata-se de uma ave de hábitos diurnos, mas os casais de cegonhas só mantêm relações sexuais durante a noite. Na Romênia, existe o “Dia da Cegonha”, no começo de Abril (a data exata varia de acordo com a primeira noite da fase de Lua Cheia). Já na primavera (no hemisfério norte), é comum ver os casais preparando ninhos para o acasalamento. Reza a lenda que os bebês concebidos nesta noite serão protegidos pela ave.
A lenda é antiga. Na Moldávia (antiga república da União Soviética), as jovens solteiras tinham liberdade sexual no “Dia da Cegonha”.
Bebês nascidos nove meses depois, “filhos do amor”, eram bem acolhidos nas aldeias e não provocavam transtorno para as famílias.
Não se sabe exatamente o motivo, mas a cegonha tem outros atributos. Na Europa medieval, acreditava-se que a ave alimentava os pais envelhecidos, um símbolo de piedade filial. No Extremo Oriente, a cegonha, assim como o grou, ainda é um símbolo de imortalidade. O “tsuru”, um dos origamis mais conhecidos, representa um grou e é distribuído em ocasiões especiais: quem o recebe terá vida longa e muita prosperidade.
Apenas para constar, a cegonha não é uma unanimidade. No retorno para a África, depois do inverno, as populações locais acreditavam que os adultos saudáveis e fortes se reuniam para matar as aves jovens e idosas que não tinham conseguido seguir o ritmo, atrasando o bando. Em algumas nações, no dia da chegada das aves, o infanticídio era permitido.
Os mitos do nascimento
A monogamia, a proteção aos filhotes, o retorno nos dias quentes, devem ter influenciado a imaginação dos europeus, que, em determinado momento, relacionaram a cegonha e o nascimento dos bebês. É provável que o trabalho no campo mais pesado na primavera e verão fosse o motivo de interrupção de muitas gravidezes.
De onde vêm os bebês? Seria mais correto dizer que eles vêm de uma noite de amor. Os irmãozinhos certamente se sentiriam mais confortáveis ao saber que os pais se amam tanto, ficaram tão próximos, que uma sementinha do pai saltou para a mãe, gerando o bebê que está a caminho, muito bem abrigado na barriga da mãe até que possa vir ao mundo.
O mito da cegonha, no entanto, continua firme e forte. Ele surgiu provavelmente na Escandinávia, e a história se popularizou com o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, famoso por atualizar antigos contos de fadas europeus (que eram bastante horripilantes antes dele; para ter ideia, os simpáticos anões da história da Branca de Neve originalmente eram criminosos, fora-da-lei, que se refugiavam nas florestas).
Andersen escreveu uma história sobre uma família de cegonhas. Enquanto o pai vigiava, a mãe ficava no ninho protegendo os filhotes. um grupo de crianças entoava cantos, predizendo um futuro terrível para as jovens aves: seriam enforcadas ou queimadas.
As cegonhas mirins aprenderam a voar a tempo de voar para as terras quentes. Antes disto, porém, levaram crianças mortas para serem irmãos dos meninos que caçoaram delas, e bebês saudáveis para as crianças que as defenderam.
As cegonhas não têm medo dos homens e de suas atividades barulhentas: sempre conviveram nas aldeias e cidades, onde encontraram muitos locais para construir os seus ninhos. São também predadoras de animais nocivos e controlam a população de rãs e serpentes. Por isto, talvez, tenham se tornado fonte de tantos mitos.
No Antigo Egito, o hieroglifo para “cegonha” é o mesmo do utilizado para “alma”. No idioma hebraico, “cegonha” e “misericordioso” são expressos de forma idêntica. Na mitologia eslava, as cegonhas eram as responsáveis por conduzir as almas do paraíso para a Terra.
Em algumas cidades da Grécia clássica, havia a lei perlagonia (“perlagos” significa “cegonha” em grego). De acordo com a regra, os filhos são obrigados a cuidar dos pais na velhice. Em cidades germânicas, havia a crença de que cegonhas encontravam bebês abandonados e os levavam para casais caridosos. Os mitos continuam, mesmo que as pessoas não saibam de onde vieram.