Na acepção do termo, milagres são acontecimentos extraordinários à luz dos sentidos e dos conhecimentos disponíveis. Milagre deriva do latim “miraculum”, do verbo “mirare”, que significa “maravilhar-se”. Na Idade Média, no entanto, milagre era apenas a encenação de um texto religioso sobre a ação dos anjos, que chegou a fazer parte dos ritos oficiais da Igreja Católica.
Para os crentes, milagres são intervenções diretas de Deus (ou dos deuses) no cotidiano da humanidade. A maior parte das religiões concorda em que estas realizações são frutos da onipotência divina, com propósitos definidos de beneficiar uma criatura, por mérito moral ou de fé.
Diversos grupos religiosos entendem que os milagres são prerrogativa da própria crença, em detrimento das demais. Em outras palavras, católicos não receberiam as benesses divinas reservadas aos evangélicos, que estariam impossibilitados de obter curas e outras facilidades disponíveis para os pentecostais. Este é um dos princípios da intolerância religiosa.
A palavra da ciência
A grande maioria dos cientistas não admite a existência de milagres. Para a ciência, a natureza se rege por leis que não podem ser revogadas por um ato divino, sob pena de desorganização do universo. As leis naturais estabelecem a existência da vida.
De acordo com a concepção científica atualmente em voga, não existe possibilidade da atuação de vontades sobrenaturais. A crença na intervenção divina pode inclusive gerar risco de morte: quem crê em milagres pode tornar-se desleixado da proteção à saúde, fato que determina o agravamento de diversas enfermidades.
O biólogo Richard Dawkins, autor de “Deus, um Delírio”, livro que aborda os aspectos positivos do ateísmo, “a natureza não é cruel, é apenas indiferente; esta é uma das lições que o homem precisa aprender”. O cientista compartilha o pensamento do escritor americano Robert Pirsig: “quando um homem tem delírios, chama-se a isto insanidade; quando muitas pessoas sofrem o mesmo delírio, chama-se a isto religião”.
De acordo com o apresentador de documentários “A Escalada do Homem” Jacob Bronowski, da BBC, que inspirou o astrônomo Carl Sagan na produção da série “Cosmos”, o homem domina a natureza pela compreensão e não pela força. Por isto, a ciência obteve êxito sobre a magia.
Os milagres e as religiões
No Catolicismo, os milagres são “verdades de fé”: dogmas que não podem ser contestados. A função destas superações das leis naturais é conduzir o homem a Deus, a partir de fatos extraordinários. Os milagres narrados na Bíblia devem ser aceitos sem contestação, enquanto os milagres privados dependem da confirmação do Vaticano.
Com exceção dos santos cuja atuação está narrada nos Evangelhos, nos Atos dos Apóstolos e na vida dos primeiros pais da Igreja, os milagres dependem de uma séria avaliação da Congregação da Causa para os Santos. Estes atos extraordinários só podem ser realizados por homens que praticaram as virtudes teologais (fé, esperança, caridade, etc.), apesar de todas as almas que atingiram o paraíso serem consideradas santas.
Nas religiões protestantes, como o Luteranismo e o Calvinismo, os milagres são atos produzidos por Jesus, através do Espírito Santo. A crença se baseia em uma passagem evangélica: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”. Desta forma, todas as reuniões e cultos religiosos são momentos para a realização de milagres.
Os evangélicos creem que os milagres são manifestações divinas e ocorrem apenas para a glorificação do Todo Poderoso, através de seu filho, de acordo com a crença na Trindade (pai, filho e Espírito Santo). O maior milagre, neste caso, seria a encarnação do filho, que, mesmo sendo Deus, nasceu entre os homens para garantir a salvação.
Espíritas não acreditam em milagres, na acepção mais comum da expressão. Todos os acontecimentos ocorrem obedecendo a leis naturais: Deus criou o universo de acordo com regras preestabelecidas e, desta forma, não haveria motivo para derrogar estas leis.
No entanto, acreditando que existem relacionamentos e solidariedade entre encarnados e desencarnados, a Doutrina Espírita entende que entidades de outras dimensões podem interferir em nosso cotidiano (e vice-versa), proporcionando benefícios no que se refere a curas, incentivos, etc.
Andar com fé
Os milagres só existem para pessoas que professam algum tipo de fé ou religião. Acreditar neles chega a ser uma estupidez para os céticos, agnósticos e ateus. Efetivamente, nenhum milagre pode ser comprovado empiricamente.
Algumas interpretações históricas entendem que os milagres de Jesus, contidos nos Evangelhos, sofreram um “upgrade”. As narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João não são ensaios de biografias do rabino judeu, apenas instrumentos de propaganda de uma nova seita, um cisma do Judaísmo – o germe do Cristianismo.
Nesta leitura, Jesus teria ressuscitado mortos porque, anteriormente, o profeta Elias teria realizado o mesmo feito. As curas de cegos, aleijados e até de uma mulher que sofria com sangramentos vaginais – uma condição de exclusão na sociedade judaica (até hoje, judeus tradicionais não dão as mãos para mulheres, que podem estar “impuras”), são apenas reproduções de atos provocados por Deus através de seus representantes na Terra.
Milagres existem
Quem já presenciou o agravamento de uma doença de um parente ou amigo certamente desejou um milagre, seja explicitamente, seja apenas no íntimo dos pensamentos, mesmo que anteriormente não cultivasse pensamentos religiosos.
Em situações extremas, todos nós desejamos ter potenciais miraculosos, ou encontrar alguém que os tenha. Em geral, o sentimento surge nas situações de enfermidades, mas ele pode ser ampliado para problemas de desemprego, dependência química, adultério, etc.
Pesquisas – algumas delas, com duração de mais de 20 anos – indicam que a crença em uma força maior, qualquer que seja a crença do indivíduo, realmente provocam mudanças na saúde: acreditar em milagres reforça a imunidade e aumenta a longevidade. A recuperação em períodos pós-operatórios também parece estar relacionada a estas crenças.
“Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”, pontificou o autor inglês William Shakespeare em “Hamlet”. Milagres dependem do acreditar – e isto, por definição, foge aos interesses da ciência.