O escuro representa o medo do desconhecido. Qualquer caminho em que não divisemos os próximos passos é sinal de alerta. Não é à toa que “encontrar a luz no fim do túnel” é um ditado que significa encontrar a solução de um problema sério, um enigma que ocupava os nossos pensamentos. Da mesma forma, entrar em uma rua escura, especialmente nas grandes cidades, significa um perigo potencial de assalto, estupro e morte.
A claridade é um sinal de segurança. Sinalizamos isto para as crianças quando deixamos um brinquedo para abraçar – apenas um, para não confundir e apavorar ainda mais –, uma lâmpada fraca ou uma réstia de luz do corredor iluminar ao menos em parte o quarto de nossos filhos. O problema é que, quando exageramos, eles podem aprender a dar menos valor a muros, grades eletrificadas, sistemas de monitoramento e outros dispositivos úteis e fixar-se apenas a uma pequena lâmpada acesa – muito útil quando vivíamos em cavernas, mas totalmente desnecessário nos dias atuais.
No outro extremo, muitos pais estimulam o medo de escuro, como forma de educar – ou controlar – as crianças. É o monstro embaixo da cama, o bicho papão, a Cuca, o barulho do vento que se transforma em um fantasma que virá sorrateiramente puxar os pés, etc., figuras e situações que povoam o imaginário e fazem surgir medos irracionais.
As fobias
O medo controlado é um mecanismo de proteção desenvolvido pela espécie humana através de milênios. Passar por um local escuro pode significar ferimentos, quedas, desorientações e ataques: nossos ancestrais eram “fontes de proteínas” para muitas espécies animais; atualmente, os ataques são de ladrões, gangues e estupradores. O medo de escuro começa por volta dos três anos e começa a desaparecer aos seis anos, no início da fase escolar, quando finalmente aprendemos a diferenciar o que é real do que é ilusório ou inventado. A garra monstruosa que batia furiosamente contra a janela lentamente se torna apenas um galho de árvore.
Antes dos três anos, porém, as crianças começam a desenvolver um universo próprio, com amigos invisíveis, povoado por surpresas agradáveis e desagradáveis geralmente reforçadas pelos parentes mais próximos. Isto faz parte do aprendizado e do desenvolvimento emocional: nossos sentimentos – inclusive o medo – amadurecem neste período inicial da vida.
Bebês têm dificuldades em se separar das mães: a respiração e batimentos cardíacos evocam um período em que tudo era macio e quente, em que tudo era obtido sem conforto. À medida que crescem, eles podem entender o “boa noite” como abandono ou falta de proteção. É necessário, mas dolorido. As crianças gradualmente desenvolvem suas próprias estratégias para lidar com a insegurança (por isto, elas devem ser colocadas para dormir em um quarto separado o mais cedo possível; quanto mais velhas, mais fortemente elas associarão a noite ao desconforto e medo).
O medo de escuro também pode surgir de forma súbita. Por exemplo, a mudança de casa pode despertar sentimentos antes ignorados. Um quarto novo pode ser apavorante, com novos ruídos e sombras. A criança podia não demonstrar medo nenhum em seu antigo quarto, porque o conhecia palmo a palmo. Algumas noites na cama dos pais (sem que isto se torne um hábito) aliadas a brincadeiras no novo local de dormir em geral resolvem o problema. É só uma questão de dar tempo para que os filhos tomem posse dos seus novos “territórios”.
É interessante mostrar que, além de perigos reais ou imaginários, o escuro também traz benefícios. Basta explicar para a criança, em palavras simples, o nosso ciclo biológico, em que a noite favorece o sono e o descanso, necessários para todas as brincadeiras e atividades do dia seguinte.
O problema começa quando a pessoa, ao fim da primeira infância, não consegue deixar os fantasmas e monstros. Certamente, ela passa a racionalizar o medo: as figuras imaginadas dão lugar a uma sensação de pavor sem fundamento: é a escotofobia (pavor da escuridão), também chamada de nictofobia (pavor da noite), e acluofobia (da neblina).
Os principais fatores para a instalação de fobias, que afetam 10% da população, se encontram nas experiências de infância. Mesmo sem se lembrar de eventos traumáticos, os pacientes associam um elemento de uma situação de perigo ao próprio perigo. No caso da escotofobia, por exemplo, uma criança pode ter sido deixada de castigo em um quarto ou armário escuro; com o tempo, ela se esquece dos motivos da punição e até mesmo dos responsáveis por aplicá-la: resta apenas o escuro despertando emoções confusas e dolorosas.
Os portadores desta fobia podem reagir ao escuro de diversas formas, não necessariamente as mesmas a cada episódio: hipertensão arterial, taquicardias, suor excessivo, crises de choro ou riso, paralisia e até crises histéricas. A escotofobia pode estar associada à claustrofobia, o medo infundado de locais fechados. Novamente, é a evolução que explica: ficar trancado em um local pode significar falta de alimento, de água, de companhia, além da eventual exposição a inimigos.
Realmente, ficar preso em um elevador sem iluminação não é uma experiência agradável. É racional supor que tenha havido algum defeito nos equipamentos, acarretando o perigo de despencar em alta velocidade, além de situações mais triviais, como perder um compromisso ou fazer esforços imensos para controlar os esfíncteres e não “pagar mico” quando finalmente os técnicos corrigirem o defeito. O escotofóbico, no entanto, não pensa absolutamente a partir de critérios racionais. Alguns relatam ter a sensação de que as paredes vão desmoronar sobre eles – e a ansiedade aumenta a cada minuto por que se prolonga a experiência.
Os tratamentos mais utilizados são:
• a dessensibilização sistemática – a exposição controlada ao fator de dispara a fobia, que pode ser real, com o uso de um simulador de voo para a superação do medo de aviões, ou apenas mentalizada; o terapeuta conduz o paciente a um estado de relaxamento e propõe a vivência. Tomando a escotofobia como exemplo, a dessensibilização pode ser gradual: a terapia trabalha do menos assustador para o mais assustador (a ansiedade que surge aos primeiros sinais do pôr-do-sol, o medo de entrar em um cômodo sem iluminação, o pavor de ficar trancado em um local totalmente escuro);
• a psicoterapia comportamental cognitiva – trata-se de uma terapia de curto prazo, em que terapeuta e paciente discutem os motivos da fobia e progressivamente encontram formas mais adequadas para lidar com os medos.
Nos casos mais graves, é preciso ministrar medicamentos antiansiedade e antidepressivos, para controlar as crises mais agudas. Nestes casos, o acompanhamento por um psiquiatra é fundamental. O tratamento deve continuar sendo acompanhado por um psicólogo.