Carl Gustav Jung, psicoterapeuta suíço discípulo de Freud e criador da psicoterapia analítica, afirmava que “O torturador é alguém que não se resolveu consigo mesmo. Um homem saudável não tortura os outros. Quase sempre, é o torturado que se torna torturador”. Para o analista, quem se presta a práticas de tortura não consegue ultrapassar a infância.
Seja como for, ao menos desde a criação das primeiras cidades-estado, há cerca de 15 mil anos, não faltaram inventores de máquinas de tortura, destinadas a obter confissões ou simplesmente ao sofrimento de criminosos ou inimigos.
Em pleno século XXI, a tortura continua sendo prática comum, inclusive nos países pretensamente civilizados. Autoridades americanas, durante a Guerra ao Terror (entre 2001 e 2009), lançaram mão deste recurso. Apenas em simulações de afogamentos de suspeitos, há 266 registros. A Anistia Internacional chegou a pedir a prisão e julgamento do então presidente George W. Bush, por reiteradas violações dos Direitos Humanos.
A própria Anistia e o Human Rights Watch, em relatórios regulares, apontam a prática em diversos países, inclusive o Brasil. Privação de sono, espancamentos, asfixias e choques elétricos estão entre as práticas mais comuns para obtenção de confissões. Isto parece bárbaro, e realmente é. Mas nossos ancestrais conseguiram ser ainda mais cruéis, inventando máquinas de tortura inimagináveis. Algumas venceram o tempo e chegaram até nós como testemunhos de um terror que parece ainda estar longe de ser superado pelo “bicho homem”.
O azorrague
Também conhecido como açoite ou látego, tem a origem perdida na história. Em três dos quatro evangelhos (João, Marcos e Mateus), consta que Jesus foi supliciado com azorragues antes de receber a sentença de morte na cruz.
Os chicotes foram desenvolvidos sob as mais diversas formas. Alguns eram dotados com ponteiras de ferro, para conferir maior sofrimento aos supliciados, que quase sempre permaneciam atados a postes, para “facilitar” o trabalho dos torturadores. Na Roma antiga, o azorrague era composto por oito tiras de couro, dotadas de lâminas ou ossos de animais nas pontas.
Há exemplos destes postes – os pelourinhos – na península Ibérica e em toda a América, onde eram usados principalmente para castigar escravos pelos mais diversos motivos. Acredita-se, no entanto, que o uso do azorrague seja universal.
O touro de bronze
Também chamado de touro de bronze, esta punição revela a capacidade da crueldade humana. A invenção desta máquina de tortura e execução é atribuída ao tirano Faláris de Agrigento (Sicília) e a seu artesão Perilo de Atenas, e data do século VI a.C.
O aparelho era uma escultura oca do animal com duas aberturas: uma frontal, simulando as narinas do touro, dotada de um canal, e outra maior, lateral, por onde eram encerradas as vítimas. Em seguida, uma fogueira era acesa embaixo do animal.
Com a alta temperatura interna, o oxigênio era rapidamente consumido. Na tentativa de respirar, o supliciado aspirava pelo canal, apesar do calor quase insuportável. Com isso, os gritos desesperados saíam pelas narinas do touro, que parecia estar mugindo.
De acordo com algumas versões, dominado por um instinto sádico, Faláris quis uma demonstração imediata e executou Perilo logo após ser apresentado à escultura. Outras histórias dão conta de que o artesão conseguiu se livrar de alguma forma; pouco depois, em uma revolta contra os atos do tirano comandada por Perilo, Faláris foi capturado e executado em praça pública, na escultura.
O touro de Agrigento realmente existiu. Cerca de cem anos depois, em 406 a.C., quando Himico de Cartago tomou a Sicília, a peça estava entre as pilhagens. Mas o touro voltou para suas origens 260 anos depois, após a vitória do general romano Cipião contra os cartagineses.
A serração
Este suplício também está entre os mais cruéis métodos de execução já praticados em toda a história. Os condenados eram lentamente torturados até que a morte finalmente chegasse. A pessoa era pendurada de cabeça para baixo, presa a postes paralelos pelas pernas. Apenas esta posição já demonstra o sofrimento perpetrado à vítima.
Serração: o nome já diz tudo. O condenado era literalmente serrado ao meio, a partir das nádegas. Depois de dores cruciantes, o torturado perdia os sentidos, mas, em geral, a morte chegava somente quando a serra chegava ao umbigo.
A serração era a punição predileta de Calígula, terceiro imperador romano (século I), que tinha o costume de “perdoar” o condenado em plena execução. A vítima quase sempre morria horas ou dias depois, em função dos ferimentos e da perda de sangue. O método também foi adotado no Oriente Médio e outras regiões da Ásia.
Trote forçado
Sabe-se que o potro foi usado também pela Inquisição católica, a partir do século XVI, mas já era máquina de tortura conhecida nos primeiros Estados modernos desde 200 anos antes. O instrumento também foi empregado por príncipes de Estados que ocupavam regiões hoje pertencentes à Alemanha, França e Suíça, para combater opositores da Reforma Protestante. É o potro, uma espécie de mesa com orifícios laterais, por onde passavam cordas, a serem atadas aos membros dos acusados.
Esta máquina era dotada de dois cilindros nas extremidades, para retesar gradualmente as cordas. O supliciado ia progressivamente sendo esticado pelos braços e pernas. Na legislação espanhola da época, ficava estabelecida a proibição de girar a manivela mais de cinco vezes a cada sessão, para que, caso a vítima fosse considerada inocente, não sofresse sequelas graves. Torturadores e interrogadores, no entanto, quase sempre excediam este limite, impondo fraturas e rupturas de articulações e músculos às vítimas.
A dama de ferro
Era comum na Idade Média e seu nome inspirou uma banda de heavy metal (Iron Maiden) e serviu de alcunha para uma primeira-ministra britânica (Margaret Thatcher). Trata-se de um sarcófago de metal com a figura de uma mulher no alto, por vezes com a estampa de Nossa Senhora na tampa (por isto, também era chamada de “virgem” ou “donzela”).
Na cápsula de ferro, alta o suficiente para encerrar uma pessoa, havia aberturas para que o acusado pudesse conversar com o interrogador. À medida que o réu insistia em protestar a sua inocência, a porta do ataúde ia sendo fechada. Como o aparato era repleto de cravos de ferro em sua parte interna, o criminoso ou herege lentamente começava a sofrer ferimentos. A recusa na confissão, por fim, implicava o fechamento total da porta.
Os cravos, no entanto, dificilmente tinham comprimento suficiente para atingir algum órgão vital. O acusado acabava morrendo mesmo assim, por causa dos sangramentos, mas tinha tempo de “pacificar a sua consciência”. A dama de ferro era comum na França, Inglaterra e Alemanha entre os séculos XIV e XVI.
A inspiração para a dama de ferro pode ter sido um livro cristão: em “Cidade de Deus”, Santo Agostinho narra a morte de um discípulo (Marco Atílio Régulo, comandante romano que lutou nas Guerras Púnicas – século IV a.C. –, mas foi capturado pelos inimigos), executado pelos cartagineses em um caixote de madeira com pregos nos dois lados.
O berço de Judas
Parece o esboço de uma casinha de bonecas, mas seus propósitos eram bem mais terríveis. O berço de Judas é, na verdade, um banquinho, empregado pela Inquisição espanhola para punir hereges e obter informações sobre outras pessoas que não professavam a “verdadeira fé”. A tortura começava quando a vítima era obrigada a sentar-se no banco: o assento tinha forma de pirâmide – uma pirâmide bem pontiaguda.
O réu, quase sempre sem roupas e exposto ao escárnio público, para maior humilhação, sentava-se com o saco escrotal, vagina ou ânus posicionado sobre o topo do banco. Esta máquina de tortura foi dimensionada para alargar os orifícios e lentamente empalar o castigado.
Hemorragias e muitas dores acabavam determinando a morte.
Um dispositivo semelhante ao banco de Judas foi adotado na Prússia, entre os séculos XVII e XVIII. Conhecido apenas como “banco”, era usado para punir soldados indisciplinados. O instrumento não foi dimensionado para perfurar a pele inicialmente, mas para causar danos nos genitais.
O garfo medieval
Também conhecido como “garfo dos hereges”, não é propriamente um instrumento inquisitorial, mas foi largamente usado nas masmorras dos tribunais espanhóis. Ele já era conhecido na península Ibérica, sendo empregado inclusive para vinganças pessoais.
Esta máquina de tortura possui dentes de ambos os lados, além de uma alça, que era amarrada ao pescoço da vítima. As extremidades eram posicionadas no esterno (osso longo que sustenta as clavículas e costelas) e a garganta. O equipamento perfurava o pescoço e o tórax simultaneamente. Assim, a vítima ficava impedida de adormecer e tombar a cabeça, mas, com o cansaço, acabava sofrendo ferimentos quase sempre letais.
SOS Brasil
O pau de arara foi um instrumento de tortura largamente utilizado no Brasil, provavelmente em função de sua “praticidade”, especialmente durante a ditadura militar. É apenas uma barra de ferro atravessada entre os punhos amarrados e as dobras dos joelhos. O prisioneiro ficava pendurado a poucos centímetros do chão, obviamente de cabeça para baixo.
Apenas o uso do pau de arara já é terrível, mas quase sempre ele era acompanhado por choques elétricos (os torturadores tinham preferência pelos genitais), afogamentos e espancamentos. Muitas pessoas foram mantidas nesta posição mesmo tendo um ou mais membros fraturados.
Foi empregado propositalmente, neste item, o pretérito perfeito. Espero sinceramente que esteja correto (não gramatical, mas politicamente). O mundo precisa se livrar definitivamente desta e de todas as máquinas de tortura.