Muito antes de a escritora inglesa J. K. Rowling criar as aventuras de Harry Potter, um aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, o tema já seduzia a humanidade. Sempre tivemos paixão pelo desconhecido; desta forma, magos, bruxas e feiticeiros são muito comuns, especialmente na literatura europeia.
Harry Potter, nos sete livros de Rowling e nos muitos videogames, jogos, camisetas e outros brinquedos, rendeu muito dinheiro aos seus criadores. Em livros, foram vendidos mais de 600 milhões de volumes, traduzidos em 69 idiomas. A maior parte das aventuras é centralizada entre os conflitos do jovem aprendiz e o mago das trevas Lord Voldemort, ou, de acordo com outros bruxos da escola, “aquele que não deve ser nomeado”, em uma clara vinculação ao Diabo e aos demônios, personagens bastante valorizados na iconografia cristã.
Em tempo: antes de continuar, é preciso dizer que outras religiões, como o Candomblé e o Espiritismo, não tem qualquer relação com os personagens deste texto; magos, bruxas e feiticeiros foram criados por culturas europeias, às vezes para legitimar, em outras para questionar o poder cristão. A principal matriz vem dos países nórdicos e britânicos, onde as seitas anímicas locais foram interditadas pelas autoridades da Igreja.
A confusão, no entanto, é grande. Entidades das religiões afro-americanas e do Espiritismo muitas vezes são identificadas com “forças do mal” e, como tal, destinadas ao exorcismo (em alguns cultos, batizado como descarrego). Assim, fica difícil entender quem é quem. Mas vamos tentar identificar as principais diferenças.
Magos, bruxas e feiticeiros e mais alguns
Vamos começar pelo mais simples. Aos pajés e xamãs também eram atribuídos poderes mágicos, como a cura de doenças, a transformação em animais simbólicos para as aldeias, o contato com os ancestrais, etc. Em muitos casos, eram utilizadas ervas alucinógenas nos rituais, como a ayahuasca e o daime. Em alguns grupos, elas ainda são empregadas.
Os pajés e xamãs são um mix de médicos, benzedores e sacerdotes. Ao lado dos caciques, são os líderes das nações indígenas americanas.
Eles realizam cultos coletivos, são ouvidos sobre assuntos que afetam a vida das aldeias e também prestam orientação individual. O fato principal que lhes confere autoridade é o conhecimento do uso das ervas empregadas na cura ou alívio de doenças e dores – e também para produzir venenos.
Como regra geral, os chás, infusões e compressas são ministrados ao mesmo tempo em que pajés e xamãs realizam cerimônias, com símbolos e instrumentos musicais, invocando a proteção de deuses ou ancestrais (como a pajelança, comum nas nações indígenas brasileiras).
Pajé é uma palavra tupi e xamã, comum aos apaches, sioux e comanches norte-americanos, e dos esquimós e inuits do Alasca. O termo também é utilizado em algumas regiões da Ásia (a palavra deriva do termo russo “saman”).
O xamanismo, religião que defende a possibilidade de dominar espíritos bons e maus (pessoas mortas, animais e seres míticos), envolve curas, transes, metamorfoses e contato direto com estes mesmos espíritos. Existem centros xamânicos em diversos pontos do globo.
Os feiticeiros praticam rituais com o objetivo de obter benefícios pessoais: cura de doenças, privilégios e práticas oraculares. Na verdade, todas as religiões do mundo praticam estes ritos, em forma de orações ou bênçãos, o que não permite uma definição correta da feitiçaria.
Para muitas correntes, o termo “bruxa” só deve ser empregado para mulheres. Feitiçaria ou bruxaria, portanto, são vocábulos que indicam o mestre (homem ou mulher) de determinado grupo. A Wicca (bruxaria moderna) cultua a deusa mãe, uma divindade única que criou a Terra e seus habitantes. Em alguns locais, há adoração de deidades de outros panteões, como o celta, normando, greco-romano, assírio e egípcio.
Bruxas e feiticeiros comemoram oito datas a cada ano, em sabás especiais: os solstícios de verão e inverno, os equinócios de primavera e outono, Halloween (homenagem à morte e aos ancestrais), Candlemass (os primeiros sinais da primavera, vista como o retorno do Sol), May Eve (o pleno florescimento da primavera) e Lughnasadh (a colheita dos grãos).
Existem também os esbates, que são cerimônias rituais que comemoram as fases da Lua, identificada como a deusa mãe, fato comum em diversas culturas (como os gregos, romanos, indianos e persas). Em alguns grupos de bruxaria, são comemorados apenas os plenilúnios (as noites de Lua cheia). Como se pode verificar, bruxaria ou feitiçaria é uma religião ancestral, norteada pela natureza. Não faz muito sentido no Brasil, com Sol durante o ano inteiro, mas a origem é europeia, onde as estações do ano são muito bem demarcadas.
Com o tempo, no senso comum, feiticeiros foram identificados com estudiosos da metafísica e do sobrenatural, utilizando seus dons para contatar os deuses (inclusive em práticas de alquimia), enquanto às bruxas ficou reservado o controle de entidades para praticar o mal, atrair parceiros amorosos, etc.
Em uma sociedade patriarcal, as mulheres ficaram em segundo plano. Não por acaso, quase não houve casos de condenação de homens pela Inquisição, durante a Idade Média e Moderna, por prática de bruxaria. Na caça às bruxas de Salém (EUA), apenas um homem foi executado, contra 140 mulheres presas durante o processo.
Para ficar claro, basta citar um exemplo: no seriado “A Feiticeira” (“Bewitched” no original), Samantha é uma bruxa boazinha, que se casa, tem filhos, cuida da família, e por aí vai. Ela é a “feiticeira” da trama. Sua mãe, Endora, personagem construída com todas as más características de uma sogra, é identificada como uma “bruxa”.
A Igreja Católica tentou incorporar algumas datas do calendário bruxo. Logo após o Halloween (31 de outubro), vem o Dia de Todos os Santos (homenagem às almas que alcançaram o Paraíso, mesmo sem reconhecimento oficial aqui na Terra) e o Dia de Finados (dia de preces pelas almas que se demoram no Purgatório).
Na península Ibérica (Espanha e Portugal), o início do verão (21 ou 22 de junho – um dos solstícios da bruxaria) é comemorado com festas para agradecer a Deus pelo retorno do Sol: é a origem das nossas festas juninas, que, ao contrário, ocorrem no começo do inverno. São as festas joaninas, uma homenagem a São João Batista, introduzidas no Brasil pelos padres jesuítas, que fundaram cidades como São Paulo e Vitória, por exemplo.
Os magos
Para terminar, algumas palavras sobre os magos. A palavra vem do persa e significa “sábio”. O Novo Testamento, no Evangelho segundo Mateus, indica que “uns magos” vieram do Oriente visitar o Menino Jesus. Estes personagens se tornaram três: Melquior, Baltazar e Gaspar e, de acordo com a tradição, estão enterrados em Colônia, na Alemanha.
Na Idade Antiga, os magos faziam parte da nobreza e dedicavam seus estudos à química, física, astrologia e filosofia. Não havia distinção entre conhecimento científico e metafísico. Atualmente, os magos, em algumas vertentes, são iniciados na “tradição do Sol”. O título de mago só é oferecido depois de muitos anos de estudos.
Na verdade, mago é aquele que faz magia. Novamente, na literatura, surge uma grande diferença entre magos e bruxas: no universo Disney, enquanto Madame Min é a personagem que faz bruxarias e assusta criancinhas, o Mago Merlin é o tutor de Tutuca (o futuro rei Artur, o iniciador da Inglaterra, ainda no século V).
Nos dias atuais, a magia foi revivida principalmente em seu aspecto ritualístico. O principal grupo é a Ordem Hermética do Amanhecer Dourado (Hermetic Order of Golden Dawn), criada no século XIX, que une alquimia, astrologia, magia cerimonial e muitos métodos divinatórios. A ordem acredita em viagens astrais para cura e conhecimento do universo.
Magos, bruxas ou feiticeiros? Cada corrente define as suas próprias características. Não há uma centralização, como ocorre nas religiões cristãs. Quem quiser escolher (ou se arriscar) em uma delas pode encontrar uma forma nova de se encontrar com a divindade, seja lá qual seja ela.