O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma disfunção genética que provoca o enfraquecimento do sistema imune. Pode afetar músculos, articulações, ossos, pele, rins, cérebro, células e vasos sanguíneos e membranas serosas – finas camadas de células epiteliais que revestem órgãos internos, como coração (pericárdio), pulmões (pleura) e intestinos (peritônio). Existe também o lúpus induzido por drogas, como algumas utilizadas para tratar hipertensão, problemas cardíacos e anti-inflamatórios.
As células destas membranas produzem um fluido que lubrifica as camadas parietais (mais internas) e viscerais (que revestem a parte externa) e assim reduzem o atrito entre os órgãos e impedem aderências no estômago e intestinos. Em um adulto, apenas o intestino delgado pode chegar a medir nove metros, com apenas três centímetros de largura, e é muito sensível a obstruções.
O sistema imunológico humano – e de todos os animais – é uma conquista evolutiva de milênios. Algumas células do sangue (os glóbulos brancos) adquiriram autonomia em sua atuação: elas “viajam” pelos vasos sanguíneos em busca de invasores – microrganismos, agentes químicos e ambientais, radiação ultravioleta e de elementos instáveis (como o urânio, césio, etc.) – e atacam-nos para impedir seu desenvolvimento.
É possível sentir sua atuação especialmente nos gânglios mais próximos da pele: são as famosas ínguas, pontos doloridos especialmente na virilha e axilas. Elas indicam que o organismo está reagindo contra uma infecção. Mas existem gânglios em todo o corpo e a maioria deles não apresenta sintomas quando é inflamado.
Nas pessoas afetadas pela lúpus eritematoso sistêmico
Quem sofre de lúpus eritematoso sistêmico, no entanto, perde estas defesas. É uma doença de auto-agressão. Nesta condição, os anticorpos formados agem contra os próprios tecidos do corpo. No entanto, a principal característica do lúpus é o chamado complexo imune, quando uma substância externa se une aos anticorpos (que são proteínas produzidas pelo sistema imune, em resposta à presença de um antígeno – o agente agressor, ou assim entendido pelo organismo).
Quem nasce geneticamente predisposto a desenvolver a doença produz naturalmente uma quantidade maior de glóbulos brancos, que se unem especialmente à radiação solar (o pior horário é das 10 h às 16 h, quando os raios ultravioleta incidem com mais potência).
Por exemplo, o complexo imune – a união de radiação e anticorpos – pode afetar os rins, provocando a chamada nefrite lúpica, condição especialmente grave, pois determina a redução da expectativa de vida. Em hospitais, verifica-se que em muitos casos, o primeiro surto surge após uma ida à praia ou piscina, com longa exposição ao Sol.
As mulheres são a imensa maioria: 90% das pacientes atendidas nos consultórios. Isto ocorre em função de uma correlação entre o sistema imune e o sistema endócrino: o estrogênio (principal hormônio sexual feminino) é autoformador de anticorpos, enquanto a testosterona (principal hormônio sexual masculino) é baixo produtor. É possível verificar esta interação na alta produção, na paciente lúpica, da proteína gamaglobulina (em exames laboratoriais).
A redução da produção do estrogênio (com a injeção de hormônios masculinos), no entanto, não produz efeitos terapêuticos nas mulheres, ao contrário do que ocorre em experimentos com cobaias. Além disto, as pacientes desenvolvem características masculinas secundárias no período de tratamento. Por isto, esta terapia foi abandonada pelos médicos.
Lúpus eritematoso sistêmico: critérios de diagnóstico
Até 1971, havia muita confusão para diagnosticar o lúpus eritematoso sistêmico. Então, a Sociedade Americana de Reumatologia definiu 11 critérios para avaliação. Qualquer paciente que apresente quatro destes critérios seguramente é portador da anomalia genética, mas é preciso submeter-se a exames clínicos e laboratoriais, que podem incluir até uma biópsia renal.
São os seguintes: úlceras na mucosa bucal; mucosite (uma lesão inflamatória provocada por estomatites repetidas); butterfly rash ou asa de borboleta (lesão nas laterais do nariz que se prolongam horizontalmente pelas maçãs do rosto); fotossensibilidade extrema, com queimaduras intensas de pele após a exposição ao Sol; e dor nas juntas sem a presença de inflamações geralmente assimétricas, atingindo braço e perna de apenas um lado do corpo (as inflamações se caracterizam por inchaço, ardor e vermelhidão na região afetada e, no caso do lúpus, isto não ocorre). Muitas pacientes também se queixam de artrite e artrose.
A doença atinge principalmente as articulações dos membros superiores (ombro, cotovelo, punho e dedos). A astralgia (dor nas articulações) é um dos principais fatores que levam pacientes a clínicas e hospitais. No entanto, estas são dores leves, sem rigidez matinal (ao contrário da artrite reumatoide), o que leva muitas pessoas a não procurar tratamento, relacionando estes sintomas a maus jeitos ou pequenas contusões.
Outro critério importante para o diagnóstico é a lesão renal, especialmente quando ela surge acompanhada de hipertensão arterial (sinal que indica inflamação nas estruturas de filtragem do sangue). Neste caso, o prognóstico pode ser reservado (com poucas chances de sobrevivência), já que, se não for tratado rápida e eficientemente, o quadro pode evoluir para a insuficiência renal severa.
O sétimo sintoma é a lesão cerebral, caracterizado por convulsões. Nestes casos, muitos pacientes são diagnosticados como epiléticos e o tratamento do lúpus pode ser negligenciado, tornando a situação geral de saúde ainda mais debilitada.
A principal causa das lesões cerebrais é a tromboembolia: o depósito de pequenos coágulos no cérebro, que pode determinar inclusive o impedimento da entrada de oxigênio em algumas regiões do órgão, provocando necrose do tecido. Este comprometimento, em geral, não surge no início do desenvolvimento do lúpus. No entanto, especialmente quando associado à lesão renal e sem tratamento adequado, leva a óbito.
O lúpus eritematoso sistêmico também altera o sangue. Em 20% dos casos, causa a ruptura de vasos sanguíneos e perda de hemácias (a chamada anemia hemolítica autoimune).
Muitas pacientes recebem este diagnóstico, mas só desenvolvem outros sintomas nos anos seguintes. A doença também causa leucopenia (redução dos glóbulos brancos): os neutrófilos, um tipo de célula de defesa, são atacados pelo sistema imune.
A queda do número de plaquetas (células responsáveis pela cicatrização) provoca hemorragias cutâneas e gengivais, menstruações intensas, pequenos hematomas (especialmente no rosto e braços) e, em casos extremos, perda de sangue com as fezes. Um tratamento pode ser a retirada do baço, órgão que retém substâncias nocivas ao sangue e, com isto, reduz o número de plaquetas, glóbulos vermelhos e brancos. No entanto, este procedimento cirúrgico aumenta o número de infecções nas pacientes.
Pacientes com lúpus apresentam reação falsamente positiva para sífilis e a síndrome anticoagulante lúpica é responsável por trombos, coágulos e abortos repetidos.
Recomenda-se evitar a gravidez, para que não haja outras intercorrências. No caso de engravidarem, as pacientes precisam ser acompanhadas com muito cuidado no período pré-natal. Na imensa maioria dos casos, há um agravamento dos sintomas durante a gestação.
O desenvolvimento de pericardites e pleurisias (inflamações, respectivamente, da membrana que envolve externamente o coração e os pulmões) também é comum, para geralmente é um sintoma subclínico, só observado nas autópsias. Por fim, o lúpus se caracteriza pelo fator antinuclear (o ataque aos núcleos das células de defesas).
A evolução do lúpus
A maioria das pacientes apresenta os primeiros sintomas da lúpus eritematoso sistêmico entre os 15 e 30 anos (são casos os raros de meninas que ainda não menstruaram e têm a doença). Se não apresentarem lesões cerebrais e renais, mas apenas úlceras cutâneas, dores nas articulações e pequenos hematomas, elas podem ser tratadas com medicamentos que neutralizam as dores facilmente. Esta é uma forma benigna da enfermidade.
Se, logo no primeiro surto, surgirem lesões renais e cerebrais, principalmente combinadas, o prognóstico é mais sombrio. Nestes casos, podem surgir problemas exclusivamente imunológicos, que facilitam a instalação de infecções e pioram o quadro clínico.
O tratamento para a lúpus eritematoso sistêmico
O tratamento para a lúpus eritematoso sistêmico é feito com a ministração de corticoides, que apresentam um efeito colateral grave: a séria retenção de sal e água. Algumas pacientes precisam ser internadas para receber altas doses de medicamento e terem a pressão arterial controlado durante a medicação. No caso de infecções, é preciso recorrer a alguns antibióticos de amplo espectro.
Apesar de ser uma doença grave, portadoras de lúpus podem levar vida normal, com tratamento ambulatorial, especialmente quando diagnosticadas precocemente. É necessário tomar alguns cuidados: proteger-se da radiação solar, evitar a gravidez (na maioria dos casos), utilizar pílulas anticoncepcionais com cuidado (para evitar o aumento de estrogênio e consequente piora dos sintomas) e, sempre que possível, tentar evitar aglomerados e o contato com pessoas com doenças transmissíveis, para reduzir o risco de infecções.
Existem casos em que o primeiro sintoma do lúpus é uma crise de ansiedade ou um surto psicótico. Por isto, o controle emocional – com psicoterapia, ioga, meditação ou frequência a um culto religioso – é fundamental para manter a qualidade de vida.