Ideias erradas sobre a Idade Média

Em primeiro lugar, uma explicação é necessária: a divisão da história em Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea é meramente didática. Trata-se de uma visão clássica, baseada na história da Europa. A humanidade não segue uma trajetória linear: cada civilização avança ou retroage em função de diversos fatores. Feita a ressalva, vamos falar da Idade Média, um dos períodos com ideias mais erradas.

Legenda: Vitral da Catedral de Chartres (França) representando um ferreiro em seu ofício.
Vitral da Catedral de Chartres (França) representando um ferreiro em seu ofício.

A Idade Média tem início com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, e termina em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Quando mais os historiadores avançam em seus estudos, porém, mais divisões são necessárias. A chamada “noite dos mil anos” (outra ideia errada) compreende a Alta Idade Média, o Feudalismo na Europa ocidental, a Baixa Idade Média e a formação das monarquias centralizadas.

Em mil anos, muitos fatos ocorrem. A chamada Idade Média também é verificada em uma longa extensão territorial. Portanto, alguns fatos podem ser verdadeiros para determinadas comunidades e falsos para outras.

Classes sociais

Uma das ideias erradas é imaginar que os camponeses formavam uma classe uniforme – a base da pirâmide social – em uma sociedade rigidamente estratificada, composta por nobres, sacerdotes, sacerdotes e camponeses.

Na Inglaterra do século XIV, por exemplo, havia a figura dos vilões. Eram pessoas vinculadas às terras de um determinado senhor feudal.

Não eram considerados livres, em uma época na qual os conceitos de cidadania e de direitos humanos ainda não haviam sido universalizados.

Os vilões podiam ser vendidos ou mortos.

A mobilidade social durante a Idade Média era um fato realmente difícil. Isto não significa que todos os camponeses – como os vilões e os servos da gleba – estavam destinados a permanecer a vida inteira na mesma condição. Alguns raros europeus conseguiram guardar dinheiro e assumir as propriedades (ou tomá-las pela força), passando a atuar como senhores.

Legenda: Iluminura medieval com representantes das três classes: um padre, um guerreiro nobre e um camponês.
Iluminura medieval com representantes das três classes: um padre, um guerreiro nobre e um camponês.

Uma vez que tudo faz parte de um processo histórico, com a formação do Estado moderno (a centralização da nobreza, antes espalhada em várias propriedades, na chamada corte) e o fortalecimento do poder real, as cidades europeias conheceram um forte desenvolvimento e surgiram os primeiros burgueses – trabalhadores habitantes dos burgos. Eram alfaiates, construtores, sapateiros, ferreiros, etc.

Terra chata?

É um conceito popular europeu, mas quase todos os estudiosos europeus acreditavam na esfericidade da Terra. Os conhecimentos geográficos estavam longe de ser precisos, mas a ideia de que vivíamos sobre uma bolacha fixa é totalmente errada.

A base para considerar que a Terra é redonda tem base na ciência grega. Alexandre Magno, por exemplo, ainda no século IV a.C., pretendia dar uma volta completa no planeta com seu exército. Sem conhecimento das dimensões dos continentes, porém, seu plano era chegar às Índias (por muito tempo, consideradas o extremo oriental), navegar até uma inexistente entrada pelo rio Nilo e subir até o mar Mediterrâneo.

As ideias científicas se misturavam a lendas e conceitos religiosos. O poeta italiano Dante Alighieri, que escreveu “A Divina Comédia”, acreditava que os limites planetários eram as colunas de Hércules (o estreito de Gibraltar) a oeste, os lendários montes hiperbóreos ao norte, a costa norte africana ao sul e as Índias a leste.

O ponto culminante da Terra seria Jerusalém, onde Jesus foi crucificado e, no extremo oposto do planeta estaria a entrada para o Inferno, considerado um local que se estendia até o centro do planeta, para onde Lúcifer teria sido precipitado depois da batalha dos anjos. Como se vê, mitos e verdades se misturavam, mas a ideia da terra plana não fazia parte do repertório.

Até o século XIV, o conceito geral apontava para a Terra redonda. No século XIX, no entanto, com o desenvolvimento das ciências e das ideias positivistas, muitos pensadores voltaram a reafirmar o contrário, para vincular ignorância e fundamentalismo religioso.

A primeira noite

Os romances, mesmo com um fundo histórico, tendem a santificar vítimas e demonizar perseguidores. No caso, as vítimas são os camponeses, sempre explorados, e os dominadores são os senhores feudais. Sabemos que nada é apenas preto e branco e as relações humanas durante a Idade Média também não poderiam ser.

Uma das ideias erradas mais difundidas é o “direito à primeira noite”. O fato inverídico figura inclusive em muitos livros didáticos de história. Trata-se de uma norma feudal segundo a qual o senhor tinha direito a passar a noite de núpcias com todas as camponesas vinculadas à sua propriedade.

A perda da virgindade, de acordo com esta teoria, seria prerrogativa de um único homem na comunidade, uma espécie de sátiro. Enquanto o senhor feudal satisfazia seus desejos, o noivo esperava para receber a noiva. Convenhamos que, caso isto tivesse realmente existido, a Idade Média teria durado muito menos tempo: famílias e recém-casados teriam explodido em revoltas e crimes.

É possível que alguns nobres tenham abusado das jovens da região, submetendo-as à exploração sexual. Da mesma forma, alguns senhores deixaram o nome na história por causa da extrema violência com que tratavam a população. Estas, no entanto, são exceções, e não a regra.

A relação entre nobres e servos era simples: os senhores construíam castelos e os camponeses do entorno trabalhavam nas lavouras. Em caso de ataques, eles se refugiavam dentro das muralhas. Em troca, parte da produção era cedida à nobreza – uma espécie de imposto.

Em tempo: castelos não são palácios, nem construções grandiosas. São apenas fortificações, para defesa contra as incursões de outros senhores, muitos deles ávidos por ampliar seus domínios. Com o desenvolvimento da arquitetura, os castelos se tornaram gradualmente mais sofisticados.

A Inquisição

Foi um movimento da Igreja Católica para reprimir heresias e manter as prerrogativas do Clero. No entanto, as maiores atrocidades da Inquisição ocorreram durante a Idade Moderna, e não na Idade Média. Tomás de Torquemada, por exemplo, um dos principais promotores das perseguições (especialmente contra as comunidades judaicas da península Ibérica), assumiu o cargo de inquisidor-geral da Espanha apenas em 1478.

As torturas da Inquisição se tornaram mais frequente depois da Reforma Protestante, iniciada em 1517. Em resposta às cisões ocorridas em diversos países, a Igreja deu início à Contrarreforma, inclusive com a publicação de relações de livros proibidos e a retomada do Tribunal do Santo Ofício, que julgava os casos de heresia.

Expectativa de vida

Este é um fato correto: em função da perda de conhecimentos médicos, da falta de hábitos de higiene e das muitas epidemias que ocorreram na Europa, como a peste negra, que pode ter matado 75 milhões de pessoas no século XIV, a expectativa de vida era bastante baixa. Isto não significa, no entanto, que os habitantes envelhecessem precocemente.

Legenda: Nesta iluminura medieval, um sacerdote abençoa vítimas da peste negra.
Nesta iluminura medieval, um sacerdote abençoa vítimas da peste negra.

A expectativa de vida é calculada com base, entre outros dados, com os números da mortalidade infantil. Os casais tinham muitos filhos, poucos recursos e quase nenhuma proteção contra doenças, mesmo que fossem simples gripes. Assim, muitas crianças e jovens morriam bastante cedo, o que reduz a expectativa. Muitos europeus, porém, atingiam os 60 ou 70 anos.

Este problema só foi corrigido com os avanços da Medicina no século XIX – descoberta dos microrganismos responsáveis pelas doenças, desenvolvimento de medicamentos e vacinas eficazes, adoção de regras de higiene como medida de proteção. A expectativa de vida só começou a se elevar nos últimos 150 anos.

Isto não significa que os medievais não tomassem banho, por exemplo. As casas dos camponeses eram equipadas com tinas e nos quartos dos castelos havia bacias e jarros para a higiene pessoal. Grandes cidades, como Paris, Roma, Veneza e Londres, mantinham casas de banhos públicos já no início do século XIV.

Machismo

Este é um mal que continua fazendo vítimas, mas as mulheres da Idade Média não eram escravas de seus maridos. Em muitas religiões, elas tinham direito a herança, podiam negociar propriedades e safras e, com a organização dos primeiros núcleos burgueses, elas tinham direito a voto. Na verdade, alguns destes direitos foram reduzidos durante da Idade Moderna.

No que se refere às questões domésticas, registros de diversas épocas da Idade Média indicam que as obrigações com a casa, os filhos e a produção eram divididos entre marido e mulher. Quando havia convocação para guerras (muito comuns especialmente durante as Cruzadas, entre os séculos XI e XII), as mulheres se tornavam responsável por toda a organização familiar.