Quem vê passos marcados na neve (no Brasil, necessariamente artificial) quase sempre prenuncia os passos do Papai Noel, trazendo presentes, paz, felicidade, saúde e outras coisas boas. No entanto, estas pegadas são um ingrediente extremamente importante para uma das nossas histórias assustadoras sobre o Natal.
Pegadas na neve
A história talvez tenha acontecido no território alemão, talvez nos territórios escandinavos, em algum período entre os séculos XI e XIV, quando a comemoração do Natal já estava praticamente consolidada em todo o continente europeu.
Os personagens desta história são dois homens. Um deles, ao sair da igreja depois da celebração da Missa do Galo, percebeu que poderia estar sendo seguido, talvez por um alguém mal-intencionado. Conseguia ouvir os passos do perseguidor, que se compassavam aos deles: se ele parasse ou se continuasse, o bandido seguia o ritmo dos passos dele.
A provável vítima não teve coragem de olhar para trás, mas, a certo momento do caminho, decidiu correr. Sem se importar com o terreno escorregadio, deu asas às canelas e só parou quando chegou, são e salvo, ao portão de casa. Entrando, reconheceu um velho amigo sentado junto à lareira, a quem uma criada tinha dado acesso.
Os dois companheiros de longa data se cumprimentaram com entusiasmo. Conversaram longamente, cearam e o visitante foi convidado para passar a noite ali, já que a neve, que caía sem cessar, não convidava ninguém a enfrentar a noite fria.
Na manhã seguinte – manhã de Natal –, surgiu o mistério. O quarto de hóspedes estava intocado. A mesa de jantar mostrava os restos de uma ceia servida para uma única pessoa. E, para completar o enigma, a empregada insistia em que não havia recebido ninguém na noite anterior.
O homem passou o dia intrigado. Nem mesmo a visita dos filhos e netos, para o almoço festivo, serviu para animá-lo. No final do dia, o enigma foi resolvido – ao menos em parte. No momento em que o nosso personagem deixava a igreja, na noite anterior, o amigo agonizava no leito de morte. A perseguição, a visita e o jantar serviram como últimos encontros.
Um conto adaptado
Na mitologia nórdica, Lóki é uma divindade maléfica. É o deus da trapaça, das travessuras e pode assumir a forma que quiser. Com a chegada dos missionários cristãos à Escandinávia, as antigas crenças se mesclaram às tradições católicas.
Uma das atividades preferidas de Lóki era punir as crianças que desobedeciam aos genitores. Durante certo ano, uma garotinha cometeu este “pecado” várias vezes – como fazem todas as crianças. Mesmo assim, ela permaneceu acordada até a meia-noite, momento em que esperava ver o Papai Noel trazer uma bicicleta para o pé da árvore de Natal. Era o presente ansiosamente desejado e anotado na cartinha ao bom velhinho.
O homem vestido de vermelho, no entanto, passou pela árvore e dirigiu-se à cozinha. A menina seguiu-o em silêncio. O falso Papai Noel abriu a geladeira e começou a comer e beber tudo que encontrava pela frente. Mesmo com medo, a menina, chorosa, inquiriu: “cadê a minha bicicleta?”.
O personagem em questão era Lóki, que tinha vindo castigar a garota. Ele aspirou a sua alma e, quando viu a corpo já sem vida caído no chão, proclamou: “você foi uma menina má; desobedeceu reiteradamente e não tem direito a presentes”. Em seguida, devorou a menina. Na manhã seguinte, os pais encontraram apenas os ossos deixados no chão da cozinha.
Esta é ou não uma história para apavorar as crianças e fazê-las serem obedientes pelo menos na semana anterior ao Natal?
Você acredita em Papai Noel?
Esta é a história de uma menina que não acreditava no bom velhinho. Mesmo assim, não se importava e, em todas as manhãs de Natal, encontrava satisfeita um presente extra ao lado da cama, pretensamente deixado pelo Papai Noel.
Os anos se passaram e a garota, agora uma jovem no final da adolescência, continuava encontrando os presentes. Ela não dizia nada para os pais, que, segundo acreditava, queriam manter a ilusão da lenda de Natal para a eternidade. A moça passou no vestibular e, no primeiro ano da faculdade, não pôde voltar para casa para as comemorações de fim de ano.
Mesmo atarefada, a jovem atendeu à ligação de um vizinho, que pedia para ela retornar rapidamente a casa. Intrigada, ela tomou um ônibus e deparou-se com uma cena chocante ao chegar. A casa paterna estava revirada de alto a baixo e, preocupada, ela acabou encontrando os corpos ensanguentados dos pais já mortos.
Antes de ser retirada do local do crime pelos policiais, a moça, ainda em choque, encontrou uma mensagem escrita em sangue: “onde ela está?”. A universitária encontrou ainda um pacote intacto, embrulhado com papel verde e vermelho, em meio a toda a destruição. Era o presente deixado pelo Papai Noel. Teria sido ele o autor dos homicídios?
Figuras fantasmagóricas
As tradições natalinas se mesclaram a diversos mitos, à medida que o Cristianismo se propagava pela Europa. Vale lembrar que as comemorações natalinas foram fixadas para coincidir com o solstício de inverno, a partir do qual o período ensolarado começa a se tornar gradualmente maior, prenunciando a chegada da primavera. Conheça algumas figuras bizarras que permaneceram nas festas de fim de ano, mesmo sendo teoricamente opostas ao espírito de paz e boa vontade:
• Belsnickel – é uma tradição germânica, comum desde os Alpes até o mar do Norte. O personagem tem dois lados: traz presentes para as crianças (da mesma forma que o Papai Noel), mas pune os adultos que não oferecem doações nem decoram as casas (o pinheiro com flores e luzes é uma tradição germânica pré-cristã).
Com a chegada das festas cristãs, Belsnickel passou a ser um auxiliar de São Nicolau (a figura precursora do Papai Noel), mas representações do personagem continuam sendo levadas em passeatas pelas ruas de diversas cidades alemãs, durante arrecadações de donativos;
• Tomten – é um personagem escandinavo, protetor das sepulturas e das famílias dos seus mortos. A representação é semelhante à de um anão de jardim, bastante comum no Brasil, baseada nos gnomos, seres elementais que vivem debaixo da terra, em minas ou ocos de troncos, em que guardam tesouros incalculáveis.
O Tomten precisa ser alimentado regularmente. Do contrário, pode se voltar contra os donos do jazigo. No Natal (originalmente, no solstício de verão), é de bom tom levar ofertas a ele, para evitar truques e travessuras (semelhantes às praticadas pelo nosso Saci Pererê);
• Perchta – é uma divindade germânica, cultuada há séculos no atual sul da Alemanha. Provavelmente, ela foi convertida em Santa Berta pela Igreja Católica ainda no século V. Originalmente, a deusa presidia às duas semanas que precediam ao festival do “Sol Invicto”.
Perchta era uma deusa que protegia as bruxas benéficas, como as protetoras das mulheres, do parto e das crianças. Progressivamente, a santa assumiu estas funções e a divindade se transformou em bruxa. Na Suíça, Áustria e sul da Alemanha, Perchta continua sendo cultuada – ao menos simbolicamente. Ela se irrita muito facilmente, especialmente se os mortais não distribuírem pão e sopa durante os dias do seu festival;
• Mari Lwyd – ela foi herdada da cultura celta, povo que habitou a França e as ilhas britânicas. Na verdade, era um monstro: uma carcaça de égua coberta com um véu branco era levada pelas cabanas das vilas, alertando para os perigos do frio e pedindo doações; do contrário, lançaria maldições terríveis contra os moradores.
A tradição se mantém até hoje no País de Gales, inclusive com muitas poesias sendo recitadas na procissão no crânio da égua. Atualmente, porém, os seguidores pedem apenas donativos para os pobres enfrentarem o rigoroso inverno do hemisfério norte;
• Père Fouettard – este é outro personagem que acompanha a história de São Nicolau. Originário da cultura celta, foi incorporado às lendas de Natal francesas. De acordo com a lenda, um casal atraiu três crianças com a intenção de roubá-las.
Fouettard, que era açougueiro (em outras versões, ele era hospedeiro), matou as crianças e esquartejou-as, ocultando os restos mortais em barris. São Nicolau, no entanto, descobriu o crime, reviveu as crianças e puniu os criminosos. Depois disto, o “avatar” do Papai Noel obrigou o homem a servi-lo eternamente. Père Fouettard não se regenerou completamente, no entanto: ele entrega um carvão em brasa para quem não teve bom comportamento durante o ano.