A gagueira, também chamada de disfemia ou tartamudez, é a mais comum desordem de fluência da fala. No Brasil, dois milhões de pessoas sofrem com o problema. Os sintomas mais comuns são o prolongamento, bloqueio ou repetição de sílabas (audíveis ou não), especialmente no início da fala. A causa mais frequente é a alteração do fluxo dos movimentos da fala, quando ele precisa ser iniciado.
Na verdade, a gagueira é um sintoma e não a doença propriamente dita, mas a desordem e o sintoma costumam ser tratados com o mesmo termo.
A gagueira é conhecida há milhares de anos. No livro bíblico do Êxodo, Moisés é descrito como “lento de fala e pesado de língua”. Não existem etnias mais afetadas, mas 5% das crianças entre dois e quatro anos apresentam episódios de dificuldade na fluência oral. Aparentemente, os homens são mais afetados.
As interrupções na fala não são prontamente corrigidas e podem levar a problemas paralelos, como isolamento, medo, embaraços (mesmo nos círculos mais íntimos). No Brasil, culturalmente os gagos são motivos de piada, juntamente com os surdos. Ninguém (ou quase ninguém) pensa em fazer piadas com a cegueira, mas surdez e gagueira são temas bastante comuns, mesmo em tempos politicamente corretos.
Causas da gagueira
A gagueira é um distúrbio multifatorial. Pode ter origem em fatores genéticos, orgânica, psicológica ou social. A origem mais provável do problema é psicomotora. Não se deve confundir a gagueira momentânea – como quando temos de nos desculpar por um atraso ou pela não entrega de um trabalho escolar – com o hábito adquirido que surge mesmo nas conversas com amigos íntimos.
A chamada gagueira do desenvolvimento surge ainda na infância e, quando persistente, leva pais aflitos a consultórios de fonoaudiólogos. Problemas de audição podem provocá-la, mas em geral não existem desordens neurológicas relacionadas a ela.
Já a gagueira de desenvolvimento persistente (também chamada gagueira neurogênica) pode surgir após um acidente vascular cerebral, hemorragia intracerebral e até um traumatismo craniano. No entanto, esta não é uma classificação exata; os dois tipos podem surgir de algum dano cerebral em qualquer idade e, em muitos casos, as duas formas podem se sobrepor.
A fala está associada ao córtex cerebral, região responsável pelas funções mais complexas e desenvolvidas (como o processamento de informações). Portanto, é no córtex que se podem encontrar as principais causas da gagueira (mas existem também fatores emocionais que contribuem para o quadro). Muitas etapas da produção da fala ainda são desconhecidas. Assim, os especialistas precisam associar diversas causas para conseguir chegar a um diagnóstico mais preciso, para indicar o tratamento mais adequado.
Tratamentos para a gagueira
Na Grécia antiga, médicos desenvolveram diversas teorias. Entre elas, a de que a gagueira é devida à secura da língua e, portanto, o órgão do paladar deveria ser constantemente umedecido. Em outro tratamento, o político Demóstenes teria se curado do problema declamando poemas na praia, sempre contra o evento, com seixos na boca. Demóstenes se tornou um dos maiores oradores da Antiguidade.
No século XIX, o foco de investigação se voltou para o aparelho fonador. O tratamento indicado passou a ser uma cirurgia plástica na boca e língua, intervenção que levou muitos pacientes e mutilações, além de mais problemas físicos e emocionais. Havia ainda a opção de próteses bucais e pesos amarrados à língua.
No início do século XX, pesquisadores passaram a acreditar que a gagueira era um distúrbio psicogênico (doença irreal) ou, na melhor das hipóteses, psicossomático. Em função desta abordagem, o problema começou a ser tratado com psicanálise e outras terapias, inclusive com a associação de medicamentos, que parece não terem surtido efeitos positivos.
Atualmente, muitos profissionais atribuem a gagueira a estímulos negativos durante a infância e adolescência (normalmente, problemas no relacionamento com pais e professores). A maioria dos especialistas concorda em que este modelo não explica os sintomas essenciais do problema, esta intervenção, quando precoce, pode ser útil para eliminar (ou atenuar) os sintomas secundários. Além disto, envolver os pais no tratamento e demonstrar que sua conduta é prejudicial ao desenvolvimento dos filhos pode ajudar a eliminar a causa e minorar os efeitos.
Na avaliação de grupos que gaguejam e outros que têm fluência na fala, os primeiros obtiveram, em testes de inteligência monitorados por fonoaudiólogos, pontuação ligeiramente mais baixa, em tarefas verbais e não verbais. Estas deficiências, porém, devem ser avaliadas com cuidado, porque quase todos os gagos têm problemas de adaptação e, por isto, podem apresentar déficit no rendimento escolar. No histórico familiar, pais relataram que muitos portadores de gagueira apresentaram atraso no desenvolvimento da fala.
Uma vez que ainda não existem conclusões sobre as causas, não há necessidade da realização de exames laboratoriais para o diagnóstico da gagueira. A avaliação é feita em consultório. Pais devem procurar um fonoaudiólogo quando o bloqueio de uma sílaba dura vários segundos e a criança fica envergonhada ao falar na frente de visitas. Se houver casos na família, a procura por tratamento deve ser ainda mais precoce.
O atendimento fonoaudiológico enfoca técnicas motoras a serem utilizadas durante a fala, pelo paciente, inclusive com pequenas alterações de vocabulário. A psicoterapia comportamental cognitiva é um complemento poderoso ao tratamento, ajudando a reduzir tensões emocionais. O importante é que o gago não se acanhe de pedir ajuda e leve a sério os exercícios propostos, sem o que nenhuma terapia obterá êxito.