Muitas pessoas confundem religião com espiritualidade, acreditando que, por frequentar determinada instituição religiosa, estão desenvolvendo seus potenciais espirituais. Mas há diferenças. Realmente, o papel histórico das diversas religiões sempre foi o de reunir (religar, do latim “religare”, que deu origem à palavra) a criatura ao seu criador, qualquer que seja o entendimento desta potência geradora, mas querer conhecer-se, desenvolver seus potenciais íntimos, aprimorar a própria personalidade e tornar-se melhor a cada dia são tarefas pessoais e intransferíveis.
A instituição da religião
Apesar disto, muitas religiões colocam-se como intermediárias entre os fiéis e a divindade, enquanto para outras a aceitação de Jesus como salvador é suficiente para remover pecados e permitir que o fiel entre na graça. Para sobreviver, as religiões criaram estruturas hierárquicas rígidas, muitas se tornaram salvacionistas, isto é, detêm o direito de conceder a salvação (há poucos anos, o antigo papa João Paulo II declarou que os fiéis anglicanos estavam em sério risco de danação, a condenação perpétua ao Inferno).
Durante a Idade Média, a Igreja concentrou também o poder temporal e usou suas prerrogativas para manter os camponeses sob controle. Os abusos destas práticas, inclusive com a venda de indulgências plenárias para quem pagasse certo número de missas e outros atos litúrgicos, provocou a Reforma Luterana. Martinho Lutero foi um monge alemão que rompeu com a Igreja Católica. No entanto, muitos príncipes protestantes aliciaram chefes da Igreja nascente, que também se puseram ao lado dos poderosos de plantão.
No final do século XIX, a Igreja decretou o dogma da infalibilidade papal, pelo qual o sumo pontífice, quando fala “ex-cathedra” (sobre assuntos de fé e moral), não pode errar. Na mesma época, num protesto contra a unificação italiana, o papa se isolou por décadas no Vaticano.
As principais diferenças
As muitas religiões, mesmo as que se dizem cristãs, estabeleceram interpretações diferentes para os textos religiosos, que determinam, por exemplo, a predestinação, a posse da graça, muitos dogmas e mitos, que não podem ser alterados. Apenas uma religião absolutamente livre de atos formais poderia ser sinônimo de espiritualidade pura, mesmo que muitos fiéis se realizem intimamente nos diversos cultos.
Enquanto a religião define normas de conduta moral, determinando o que é certo e o que é errado, a espiritualidade é o aviso interior de que determinado comportamento é inadequado ou mesmo nocivo. Isto não significa que o cultivo da espiritualidade permite uma transformação instantânea: é, ao contrário disto, um passo a passo em direção à autorrealização, que pode ser mais ou menos longo.
No mundo atual, uma pessoa que procure desenvolver sua espiritualidade passa a contestar todos os costumes sociais e mesmo os princípios ensinados pela sua religião. Este é o caminho para descobrir a verdade, conselho proposto pelo filósofo Sócrates (Conhece-te a ti mesmo) e por Jesus (Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará).
Nos últimos 200 anos, muitas religiões e filosofias vêm propondo a seus fiéis que promovam a reforma íntima. Num movimento de rejeição ao racionalismo, doutrinas surgiram na Europa, convocando os adeptos ao autoconhecimento, inclusive com a adoção de algumas técnicas (como a meditação) e crenças comuns no Oriente (como a reencarnação).
É o caso do Espiritismo. Fazendo uma releitura dos Evangelhos (inclusive contestando alguns pontos polêmicos), aproveita os ensinos morais e desenvolve-os para que seus crentes possam desenvolver, numa relação direta com Deus. No entanto, a maioria dos espíritas (e o Brasil é o país mais espírita do mundo) resume suas práticas à frequência ou participação das atividades de um centro, sem abdicar de nenhum de seus vícios e defeitos.
Com isto, boa parte destes adeptos apenas pratica religião, sem evoluir espiritualmente.