Alguns hábitos já estão tão arraigados na nossa cultura e no nosso dia a dia que muitas vezes nem paramos para pensar de onde eles vem. O Brasil, por ser um país mestiço, sofreu influências culturais de diversos povos, mas principalmente dos indígenas e africanos.
Quando pensamos em herança, temos consciência de que, mesmo sendo descendentes desses povos, somos cria dos colonizadores portugueses que aportaram por aqui naquele 22 de abril confuso, que trouxeram uns espelhinhos e decidiram ficar porque a terra era bonita e bacana. Apesar da cara de pau desses homens e do massacre que eles comandaram por aqui, os índios conseguiram influenciar muito os portugueses e nossa cultura e deixar costumes que mantemos até hoje.
Tomar banho todos os dias: A gente se sente tão grata por esse que achou que ele tinha que ser o primeiro. Porque se parece uma coisa muito óbvia para você, a gente mostra que as coisas não são tão simples assim. Portugueses, como europeus que são, nem sempre tem o costume de tomar banho todos os dias. Isso por vários motivos. Primeiro, porque banho é algo extremamente cultural. Coisa de hábito mesmo, e a maioria dos povos não tinha – ou não tem. Depois, o clima lá não é tão quente (ou nem sempre foi, ou não era tanto, enfim) e os países daquele continente não tem a abundância de recursos hídricos que temos aqui. Ainda hoje, muitos europeus não vem a necessidade de tomar banho todos os dias. Ou de escovar tanto os dentes. Alguns escovam apenas uma vez por dia – mas aí já é outra história.
Fato é que muitos portugueses ficaram encantados com o hábito dos índios de se banhar todos os dias nos rios, e o adotaram por considerar revigorante. Ainda bem.
Ainda assim, nem todo mundo aderiu a parada. Tanto que mesmo pelos idos de 1800, diversos membros da família real ainda não tinham adotado esse habito. Tá certo que eles só vieram pra cá nessa época, mas né? Aqui já fazia muito calor e com aquela roupa toda! Dizem as más línguas históricas que D. João VI não tomava banho nunca, e usava a mesma roupa até ela começar a se desfazer, de tão puída. Eca.
Comer pamonha: Você olha todas aquelas maravilhas feitas com milho na festa junina e acha que o povo do sítio era porreta mesmo, né? Mas a grande maioria das receitas de bolos, mingaus como cural, pamonha e outros quitutes feitos com milho, mandioca, batata doce etc. vieram diretamente do caderninho mental das mulheres das tribos indígenas. Sim, foram elas que ensinaram todas essas delícias que a gente come até hoje – algumas delas adaptadas ou melhoradas com o advento da maravilha que é o leite condensado, por exemplo, mas talvez não estivessem no nosso cardápio não fosse por elas.
A mesma coisa pode ser dita do hábito de comer tantas frutas, comer açaí, de comer moqueca (que uma galera acha que foi criada por escravos, mas até o nome dá a dica), de comer canjica, grãos de amendoim puro igual a gente faz no bar, e até algumas bebidas fermentadas.
Ter o saci-pererê e o boitatá do nosso folclore: Não é um hábito, exatamente um costume, mas é uma herança forte. E outra daquelas que as pessoas só pensam que vem das fazendas e das senzalas. Não, não. A maioria dos personagem que habitam o folclore brasileiro são inspirados em outros que fazem parte das crenças indígenas. O menino (que virou negro) que tem apenas uma perna e vive saltando por aí, fazendo trança no rabo dos cavalos e jogando barro na panela dos outros nem sempre teve a aparência descrita por Monteiro Lobato e esteve primeiro no imaginário indígena. Assim também o Boitatá, o Curupira e tantos outros. Isso quer dizer que além de influenciar nosso imaginário, crenças populares e folclore, eles também acabaram influenciando nossa literatura.
Pescaria: a imagem mental que você tem ligada à pescaria certamente não tem um índio no meio. Muito mais fácil pensar naquele avozinho sertanejo com palha no canto da boca. Isso porque os brancos trataram de limar os índios da nossa convivência, mas foram eles que ensinaram os portugueses que estavam aqui a pescar, e o método com linha de anzol e envenenar a isca também é deles. Ou seja, o máximo que seu avô fez foi descobrir uns macetes bacanas…
O estilingue (muito em desuso hoje, é verdade) e a arapuca de pegar passarinhos (também extinta, mas poxa, quem não foi escoteiro naquelas época não tão politicamente corretas?) também são utensílios bolados por eles.
Isso claro, sem falar em parir de cócoras (agachada), na infinidade de palavras que tiveram origem na língua dos indígenas (principalmente o Tupi-guarani), nas diversas técnicas de artesanato e cestaria (sabe aqueles cestos feitos com canudinhos de jornal que estiveram na moda um tempo? Aham, também foram inspirados nas técnicas dos índios), nos rituais religiosos que a gente nem faz ideia que começaram com eles e a gente realiza como se fosse coisa nossa… é tanta coisa que não dá pra negar, todo mundo tem um pouco de índio. Ou numa visão mais realista e nada poética, nos apropriamos de seus simbolismos e costumes e os descartamos, os deixamos à margem, fazendo de conta que a gente nunca soube que tudo isso aqui que é nosso, na verdade é deles.
Saiba mais sobre costumes e o cotidiano de algumas tribos indígenas brasileiras: