Eles estão presentes em todas as culturas e exercem ações benéficas ou maléficas sobre a natureza. Talvez os seres mitológicos tenham surgido quando um de nossos ancestrais olhou para o céu e avistou o Sol, as estrelas, um relâmpago. Talvez os primeiros mitos tenham surgido nas águas que trazem alimento, saciam a sede e permitem alguns momentos de lazer.
As culturas mais antigas não imaginaram seres devotados ao bem ou ao mal: este é um conceito bem mais recente, que talvez tenha sido idealizado durante milênios pela criatividade humana, nos últimos dez mil anos. A datação da ideia do bem e do mal fica entre 2000 e 500 anos antes de Cristo; o dualismo surgiu entre os persas e foi transmitido para os babilônios e, em seguida, para os judeus.
A natureza aparentemente premia e castiga: o Sol aquece, garante o desenvolvimento das plantas e é uma representação do retorno à vida, depois da escuridão da noite. Mas quando mostra seus rigores, provoca secas, incêndio e devastação nas plantações. O rio traz a água necessária à vida, permite banhos e lavagem de utensílios, mas, quando decide sair do leito, é responsável por grandes calamidades, como alagamentos e inundações.
A criação da escrita, entre diversos povos da Antiguidade, permitiu à humanidade dar início ao registro de suas crenças e temores, que aos poucos se corporificaram nos seres mitológicos. Foi também o início da literatura: deuses e demônios podem ser vistos em relatos datados de mais de cinco mil anos (infelizmente, poucos registros mesopotâmicos, os mais antigos de que se tem notícia, sobreviveram ao tempo e chegaram até nós).
A criação da escrita, entre diversos povos da Antiguidade, permitiu à humanidade dar início ao registro de suas crenças e temores, que aos poucos se corporificaram nos seres mitológicos. Foi também o início da literatura: deuses e demônios podem ser vistos em relatos datados de mais de cinco mil anos (infelizmente, poucos registros mesopotâmicos, os mais antigos de que se tem notícia, sobreviveram ao tempo e chegaram até nós).
Mitos no Ocidente
Os gregos antigos tinham uma excelente imaginação. Seres mitológicos reverenciados ou temidos nas cidades helênicas são os mais completos e inspiraram crenças de outros povos, como os romanos e alguns grupos germânicos.
Outras civilizações, no entanto, se esmeraram na descrição de suas crenças, como se pode ver na descrição dos seres mitológicos que povoaram a criatividade dos nórdicos, que colonizaram os países banhados pelo mar Báltico.
Na Grécia Antiga, porém, a religião inspirou filósofos, historiadores e artesãos. Os mitos se multiplicaram e as histórias passaram a ser povoadas por heróis, como Teseu, Hércules e Ulisses, e também criaturas por que uniam características de animais com imensos poderes sobrenaturais, como o Minotauro, a Medusa, a Hidra de Lerna, o Javali de Erimanto e muitos outros. Gradualmente, os deuses foram vestidos de “características humanas” e passaram a interferir no dia a dia de vários grupos.
Alta carga tributária
Na literatura e na mitologia gregas, seres monstruosos aparentemente indestrutíveis são fragorosamente derrotados por semideuses – filhos de deuses e mortais. Em uma época não muito bem fixada, Atenas pagava um pesado imposto a Creta. Anualmente, a cidade precisava enviar sete casais jovens, para saciar a fome do Minotauro (metade homem, metade touro, nascido de uma violenta paixão provocada por Poseidon, o deus dos mares, em Pasífae, mulher do rei cretense Minos, por este ter se recusado a cumprir um voto).
O jovem Teseu, filho do rei Egeu de Atenas, foi enviado para tentar resolver o terrível desafio. Ariadne, meia irmã do monstro, se apaixonou pelo herói e prontificou-se a ajudá-lo na empreitada. Ela segurou um novelo na porta do labirinto (um misto de masmorra e fortaleza) e assim Teseu não se perdeu nos muitos corredores, conseguindo matar o Minotauro.
O herói, porém, se esqueceu de cumprir uma promessa feita ao pai: se ele obtivesse êxito, deveria retornar com velas brancas no barco; caso fracassasse, elas seriam negras. Teseu voltou a Atenas com as mesmas velas negras com que deixou o porto. Desesperado, o pai de atirou nas águas. Este é o motivo por que o mar que banha a Grécia se chama Egeu, o infeliz rei suicida. Até hoje, “fio de Ariadne” é uma expressão usada para exemplificar o encontro da solução para um problema aparentemente sem saída.
Olhos mortais
Medusa era um ser feminino ctônico (do mundo subterrâneo, em oposição aos deuses do Olimpo, a mais alta montanha grega), uma das três górgonas que rivalizavam com a beleza de Atena, deusa da sabedoria, mas não copiavam a dignidade e austeridade da entidade olímpica.
Além disto, Medusa aceitou a corte de Poseidon, que disputava a mão de Atena Para alguns escritores, os monstros eram sacerdotisas virgens do templo dedicado à deusa da sabedoria e Medusa teria cedido às investidas do rei dos mares, mantendo relações com ele no próprio altar dedicado à deusa que se manteve eternamente virgem.
Para outros, Poseidon casou-se com a górgona e fez chegar a notícia ao Olimpo. Ciumenta e humilhada em sua honra pessoal, para castigá-las, a deusa (que emprestou seu nome à capital da Grécia) destruiu toda a beleza das três irmãs, deformou drasticamente a sua aparência e, por fim, transformou seus cabelos em serpentes.
Envergonhadas com a nova aparência, as górgonas (as outras duas irmãs se chamavam Esteno e Euríale) fugiram para o Ocidente e se refugiaram na Ciméria, terra conhecida como “o país da noite eterna”. Isto, no entanto, causou um sério problema para os gregos. A Medusa tinha um poder estranho: transformava em todos os que a fitavam em esculturas de pedra.
O herói Perseu (bisavô de Hércules), filho de Zeus, quase não chegou a nascer. Quando sua única filha, Dânae, atingiu a idade de se casar, Acrísio (pai da jovem e rei de Argos), consultou deuses sobre a melhor forma para que a garota gerasse filhos homens, recebeu a seguinte resposta: “ela terá um filho que te destronará e te matará”.
O rei, temeroso, prendeu Dânae em uma torre de bronze subterrânea, mas Zeus, o mulherengo rei dos deuses, interessou-se por ela e, para ele, não havia obstáculos. Penetrou na câmara sob a forma de uma chuva de ouro e desonrou a jovem.
Com o nascimento do bebê, Acrísio descobriu a “traição” em pouco tempo, encerrou Dânae e Perseu em um cofre e lançou-os ao mar. Mesmo com esta peripécia, eles conseguiram sobreviver com a ajuda de um pescador.
Infelizmente, os náufragos foram dar em uma praia de Cíclades, onde reinava o ditador Policdetes, irmão do rei de Argos. Perseu, um semideus, conseguiu sobreviver às perseguições e terminou por matar a Medusa, aproximando-se do monstro de costas, com um espelho para guiar seus passos (desta forma, não a viu de frente; o espelho, na verdade, era um escudo tão polido – fornecido por Atena, que refletia qualquer superfície, mesmo no escuro). O desafio foi proposto pelo próprio tirano, que, claro, perdeu a aposta.
Um escritor cristão do século III, influenciado pelo evemerismo, uma doutrina que afirmava não serem os seres olímpicos divindades reais, apenas personagens históricos de passado obscuro, explica que, neste caso, o “ouro” seria apenas o suborno de um milionário sedutor pago ao pai da jovem para “abafar” o escândalo.
Mais uma pulada de cerca
Em suas andanças pela terra, Zeus avistou Alcmena, uma bela jovem casada com Anfitrião, que havia morto, por acidente, seu genro, o rei Eléctrion, de Micenas. Para conseguir obter is favores sexuais, o deus dos deuses tomou a forma do marido, que, à época, estava em batalha confrontada durante a guerra dos sete reis contra Tebas. Da união clandestina, nasceu Hércules, um ser de força descomunal.
Anfitrião retornou no dia seguinte e também fecundou a esposa, gerando Íficles (anfitrião tornou-se o termo utilizado para designar “aquele que recebe em casa”). Entretanto, nem a gravidez gemelar conseguiu enganar a rainha dos deuses.
Furiosa, a rainha dos deuses tentou exterminar a rival, lançando uma fogueira descomunal, só apagada por uma tempestade provocada por Zeus (originalmente, deus dos elementos; o rei continuou a utilizar raios como sua arma principal para combater os inimigos); quando o bebê tinha oito meses de idade, a rainha do Olimpo enviou duas serpentes para esganá-lo, mas Hércules já era forte o suficiente para combater os rivais.
Finalmente, Hércules cresceu, tornou-se um grande guerreiro. Mas Hera não desistiu de seus planos de vingança contra o pai do herói: provou em Hércules um breve acesso de loucura, no qual o semideus destruiu sua mulher Megara e os filhos do casal.
Hércules rapidamente recuperou a lucidez, a tempo de ver a tragédia causada por sua força. Para se purificar, o herói matou o Leão de Nemeia, a Hidra de Lerna, o Javali de Erimanto, além de outras tarefas “hercúleas” para obter a graça dos deuses.
As missões, conhecidas como os 12 trabalhos de Hércules, foram impostas pelo Oráculo de Delfos, um local de especial adoração na Grécia, e seu cumprimento garantiu ao herói um lugar especial no céu (representado simbolicamente pelo monte Olimpo, ponto culminante da Grécia). Ele continua por lá até hoje, nas estrelas, representados pela constelação que leva o seu nome, já descrita desde Ptolomeu, astrônomo grego que viveu em Alexandria (Egito), no primeiro século da Era Cristã.
Tentando explicar
A título de conclusão, estas lendas provavelmente formam uma colcha de retalhos que costuram vários seres mitológicos. Elas sobreviveram até nossos dias não apenas pela beleza das narrações – vários dramaturgos, historiadores e sacerdotes se ocuparam delas, agregando informações e confundindo os pesquisadores contemporâneos.
A importante é que, narrando as façanhas e vinganças de deuses, heróis e monstros, estes seres mitológicos sobreviveram ao tempo porque não contam histórias de seres extraordinários, que provavelmente são a base de sua criação. Elas falam de seres humanos: ciúme, inveja, raiva, disputa pelo poder, sentimentos que continuam muito vivos entre nós. Por isto, este e outros seres mitológicos continuarão a ser reproduzidos pela humanidade por um longo, longo tempo.