Para alguns estudiosos, memória é o fundamento do conhecimento. Com ela, conseguimos dar significado às nossas atividades do dia a dia, aprendemos a aceitar normas e tradições familiares e sociais e acumulamos experiência. Portanto, é uma ferramenta que precisa ser valorizada e estimulada durante a vida inteira. De certa forma, a memória é o resumo do que cada um de nós é.
Muitas pessoas acreditam que a memória é uma espécie de arquivo com muitas gavetas e pastas, nas quais organizamos os eventos que presenciamos, os traumas que sofremos e as coisas que aprendemos. No entanto, ela é muito mais do que isto: é um mecanismo de sobrevivência.
Primeiros estudos
Até o início do século XIX, quando a ciência contemporânea começava a dar os primeiros passos, a maioria dos estudos sobre aprendizagem considerava o cérebro como uma espécie de depósito dos fatos vividos e aprendidos. A possibilidade de que áreas específicas do órgão poderiam ser responsáveis por tipos específicos de memória ainda não havia sido proposta.
Em 1861, no entanto, o médico e antropólogo francês Pierre Paul Broca descobriu o “centro do uso da fala” no cérebro, mais precisamente na região do lobo frontal. Já se sabia que portadores de sífilis podem desenvolver afasia (incapacidade total ou parcial de falar).
Durante a necropsia em “Tan” (o apelido “Tan” foi dado porque o termo era a única palavra que o internado conseguia pronunciar com clareza), o médico encontrou uma lesão provocada pela DST, no hemisfério esquerdo do cérebro.
Comparativos posteriores comprovaram a descoberta: o centro da fala – atualmente denominado “área de broca” –, quando prejudicado por infecção ou trauma, não prejudica apenas a fonação: ele “apaga” o aprendizado da articulação de palavras, realizado nos primeiros anos de vida. Desde então, vêm sendo realizados estudos para mapear as regiões do cérebro responsáveis pelas funções motoras e sensoriais – e a memória sempre acompanha estas funções.
Definição ainda distante
Isto significa duas coisas: a primeira, positiva, é que a memória não possui um centro, mas se aloja junto às estruturas cerebrais responsáveis por utilizá-la. É mais ou menos como deixar o café perto do açúcar, ou o pão ao lado da manteiga. Por outro lado, a pesquisa sobre a memória se tornou muito mais complexa. Mesmo estando acessível, ela requer um número muito maior de informações para que um quadro seja perfeitamente evocado.
Tente se lembrar do cardápio de hoje, no almoço. Salada, filé grelhado, arroz com legumes, acompanhados de um suco de laranja? Gelatina de sobremesa? Parece fácil – e realmente é, quando, quando tudo funciona de maneira adequada.
Mas a evocação obrigou a memória a localizar informações táteis, visuais, gustativas, aromáticas. Caso a refeição tenha sido satisfatória, a memória também nos traz sensações de prazer que, por sua vez, estão relacionadas a outras sensações de bem-estar.
Se, ao contrário, a carne estava crua, a laranja, passada e a gelatina não tinha a textura ideal, a memória traz à tona sensações desagradáveis, sempre associadas a outras experiências negativas. O motivo é que utilizamos alguns poucos neurotransmissores para obter as mesmas informações: dopamina, serotonina, noradrenalina, aspartato, glutamato e acetilcolina.
Como funciona a memória?
A memória foca coisas específicas, demanda grande quantidade de energia e pode se deteriorar com o avanço da idade. O processo conecta “pedaços” de aprendizados para gerar novos conhecimentos, com um padrão específico para cada indivíduo.
Desta forma, uma criança sendo alfabetizada não aprende “A” e “B” em sequência, para depois aprender “BA”. Ela pode ser apresentada a diversas letras do alfabeto para finalmente entender o mecanismo do código linguístico.
Esta é a razão por que muitos pais e professores se surpreendem como aprendizado aparentemente instantâneo: “Joãozinho apareceu lendo de repente”. Na verdade, a memória estava organizando o processo cognitivo do menino. Apreender o som das letras é apenas dominar um código que foi estabelecido arbitrariamente: não existe nenhum motivo objetivo para o “A” ter as pernas voltadas para baixo, por exemplo.
Processadores diferentes
Nosso cérebro tem dois mecanismos de “arquivar dados”: a memória de procedimento e a memória declarativa. Estas duas formas são diferentes tanto nas estruturas anatômicas, como nos mecanismos cerebrais envolvidos.
A memória de procedimento (também chamada implícita) armazena as informações relacionadas à aquisição de habilidades, mediante a repetição de determinadas atividades, seguindo um mesmo padrão. É o que acontece, por exemplo, quando aprendemos a dirigir um carro: nas aulas da autoescola, parece impossível conhecer todos os sinais de trânsito, todos os mecanismos do veículo, todos os cuidados ao trafegar.
Passado algum tempo depois da obtenção da carta de motorista, obtido o domínio pleno destas habilidades, dirigir fica tão fácil como andar de bicicleta. Não precisamos ocupar toda a atenção com o carro, o roteiro e o congestionamento.
Na verdade, não é necessário que tenhamos acesso consciente a estas informações. Por isto, podemos desenvolver outras atividades, como rever mentalmente os dados necessários para a entrevista no trabalho, a apresentação do trabalho na escola, a justificativa por uma falta ou erro, ou coisas mais prazerosas, como cantarolar uma melodia, pensar na família, etc.
A memória declarativa (ou explícita) é aquela em que precisamos evocar informações de dados absorvidos através dos sentidos e de processos cognitivos, como associação de dados, dedução, criação de ideias e outros.
Este “processador” é capaz de utilizar a memória de fatos formais e informais vivenciados na vida de relação pela própria pessoa (memória episódica) e de fatos absorvidos em atividades teóricas (aulas, seminários, mesas redondas, etc.). Esta é a memória semântica, e sua recuperação envolve informações recebidas pela transmissão do saber em suas diversas formas: escrita, visual e sonora.
Prazo de validade
A memória também pode ser classificada quanto ao tempo de armazenamento de informações. Quando pedimos o telefone de uma empresa à secretária, mantemos o número na memória pelo tempo necessário para completar a chamada. Esta é a memória de curto prazo.
Mas o cérebro e a mente têm razões que até a razão desconhece. O número hipotético do exemplo acima passa a ser ignorado imediatamente depois que perde a sua utilidade. Porém, dependendo da importância – o número de um fornecedor frequente, de um cliente importante, daquele “novo amor” em potencial – permanecem gravados enquanto a informação tiver importância.
Perdendo a memória
A amnésia é a perda total da memória e se apresenta sob diversas formas. O indivíduo pode perder a capacidade de reter novas informações (como ocorre no mal de Alzheimer) ou de evocar lembranças antigas – é a amnésia retrógrada, geralmente provocada por contusões na cabeça.
A amnésia também pode ser global (nenhuma lembrança consegue ser obtida), emocional ou psicogênica (o indivíduo bloqueia situações traumáticas). Em alguns casos, surge a síndrome de Korsakoff – uma situação grave.
Na imensa maioria dos casos, a síndrome está relacionada ao alcoolismo. O motivo é a incapacidade do organismo de processar a vitamina B1 (tiamina), fato que impede o cérebro de processar novas informações. O processo é semelhante ao da amnésia alcoólica; a diferença é que esta ocorre em episódios isolados, quando uma pessoa bebe demais ou muito rapidamente. Mesmo conversando ou desenvolvendo atividades físicas regulamente, informações sobre o período em que esteve alcoolizada não conseguirão ser registrados.