A vida moderna trouxe várias facilidades que deveriam garantir o bem estar e mesmo a felicidade, mas na verdade, nosso dia a dia nos reserva coisas irritantes a cada passo. A percepção destas pequenas chateações diárias é diferente de pessoa para pessoa – é um dos fatores que nos torna seres únicos – mas é impossível fazer o “jogo do contente” o tempo todo. Às vezes, é preciso chutar o balde.
Descobrir formas pessoais de controlar o estresse é fundamental para manter – ou recuperar – a saúde global: o equilíbrio do corpo e da mente. Por outro lado, manter a capacidade de ficar indignado frente a algumas situações também é uma boa maneira de manter as doenças à distância. Talvez este seja o motivo de surgirem tantas coisas irritantes no dia a dia.
Filas
Especialmente nas grandes cidades, elas parecem onipresentes: para pagar o cafezinho, tomar a condução, esperar o elevador, repetir o mesmo “ritual” na hora do almoço e no final do expediente. Ok, elas existem. Sejamos resignados. Reclamações só farão com que elas pareçam ainda mais eternas.
No entanto, algumas delas poderiam simplesmente se evaporar. A santa ira nos faz reagir a elas – e o fígado agradece. É o caso, por exemplo, das filas para abastecer o tanque de combustível. Especialistas aconselham a procurarmos os melhores horários, mas, o que fazer quando estes horários se resumem a antes e depois do horário comercial?
Pior mesmo é quando, chegada a nossa vez, o frentista avisa que as bombas estão sem combustível. A única disponível atende apenas a clientes que pretendem pagar com o cartão exclusivo do posto – e o humilde trabalhador ainda quer que você perca mais tempo para aderir a mais um programa de milhagem. Irritante.
No supermercado, finalmente chega a sua vez de passar pelo caixa. Você descarrega suas compras na esteira e é surpreendido com expressões como: “este caixa é apenas para pagamentos em dinheiro”; “deu um probleminha, vai demorar um pouco”; “o senhor pode aguardar um instante? Está na hora de sangrar o caixa”. O que raios significa sangrar o caixa? Não, não é exatamente o que você está pensando: é apenas retirar parte do dinheiro da gaveta.
Dirigindo
Todos dizem que, ao volante, precisamos cuidar de nós mesmos e dos outros motoristas. Nada mais certo, mas é impossível prever o comportamento de centenas de pilotos (de onde eles surgirão). Não é possível saber quando um espertalhão irá avançar pelo acostamento ou dar uma “fechada” para conseguir dobrar uma esquina a tempo.
Até aí, com cautela, conseguimos chegar ao nosso destino. O pior desfecho da “fechada” é o sorrisinho maroto e o sinal de positivo com a mão. Tanta coisa útil ele poderia fazer com aquele dedo em riste, não é mesmo?
Outro movimento instintivo bem comum: apesar de a velocidade máxima permitida ser de 60 km/h, a simples presença de um radar ou de um guarda de trânsito “observando” o tráfego faz com que dezenas de motoristas reduzam a velocidade para 40 km/h. É muito irritante quando alguém decide contribuir para a segurança…
Estas situações despertam sentimentos que nos aproximam de nossos ancestrais, os homens da Idade da Pedra. São muito parecidas com o que sentimos quando há um acidente na pista contrária, mas metade dos motoristas diminui para dar uma espiada. Será que eles querem exercer seus deveres cívicos e ajudar em um assunto de que nada entendem?
Em que pese o excelente serviço que prestam para muitas empresas, motoboys merecem entrar para a lista de coisas irritantes no dia a dia. É um exercício de paciência não soltar um sonoro palavrão quando eles andam em comboio, param para ajudar em qualquer acidente (que envolva outro motociclista, claro) ou levam o espelho retrovisor como souvenir. Para amenizar a raiva, só lembrando que contratamos este serviço muitas vezes durante a semana.
Aliás, por falar em danos ao nosso patrimônio – pode ser um Fusca 66, mas é patrimônio –, não é uma delícia quando o “vizinho” de estacionamento para o carro desembarca e deixa marcas da porta como lembrança? Pior que isto, só mesmo os flanelinhas que riscam a lataria porque não fizemos o pagamento antecipado ou os manobristas que estacionam no meio da rua e devolvem nosso possante com “algumas avarias” ou com leves perdas (como o autorrádio recém-comprado).
Por falar em estacionar, você já reparou que, em noites chuvosas (especialmente as frias), sempre que você tira o pé do carro, existe uma imensa poça d’água exatamente ao lado da porta do motorista? A menos que você seja o carona: neste caso, ela se posiciona intencionalmente do lado oposto.
No clube e no parque
Alguns frequentadores de clubes acreditam que a piscina seja particular e, sem cerimônia nem aviso prévio, mergulham de barriga (para não citar outra parte do corpo) ou praticam esportes ocupando a metade do espaço, “umedecendo” toalhas ou coisa pior – a chapinha da namorada.
Ironicamente, isto parece acontecer naqueles dias de TPM, emoções à flor da pele.
A legião dos “sem noção” parece infinita – e sempre irritando os inadvertidamente mais próximos. Você programa um churrasco no parque, no domingo, para descontrair e recarregar as baterias para a semana que vai se iniciar. Faz um check-list de tudo que será sem necessário, mas o ocupante da churrasqueira do lado “se esqueceu” do carvão, do álcool, do fósforo… Claro, ele pede emprestado. Se bobear, pede até a carne para assar.
Outras coisas irritantes acontecem no dia a dia. O celular do colega do lado começa a bipar, alertando que a bateria está descarregando, e o infeliz não desliga o aparelho. Em alguns casos, fica tamborilando com os dedos ou com o lápis na escrivaninha, absorvido no trabalho a realizar.
Um amigo se converte a uma religião fanática e quer convencê-lo por todos os meios a “conhecer Jesus”. Como diz Fernando Pessoa, “vão para o diabo sem mim, ou deixem-me ir sozinho para o diabo. Para que havemos de ir juntos?”. Conheci uma pessoa que se recusou a receber um calendário maia de presente, trazido por um parente do México especialmente para ele, porque “não se deve adorar ídolos”.
Alguns vícios de linguagem também são extremamente irritantes. Algumas pessoas ainda não aprenderam que “a nível de” não existe. Existem aqueles que dizem “né” a cada dez segundos. Outros terminam todas as frases com um “enfim”, sem concluir p(*) nenhuma. Tive um professor que concluía cada pensamento com um “Né, tá certo?”. Ele se tornou diretor da faculdade.