Alguns acreditam que o uso é 100% imoral; outros, que são fundamentais para a pesquisa científica, no desenvolvimento de nos produtos farmacêuticos e cosméticos e principalmente na produção de vacinas. Cobaias de laboratório frequentemente surgem no noticiário, especialmente quando são denunciados maus tratos com os animais empregados nas pesquisas.
As cobaias também são utilizadas em experimentos de Psicologia: na maioria das faculdades, camundongos e outros animais são empregados para a verificação da alteração de comportamento em situações de prazer e dor, de privação materna e de alimentos e até de aumento dos fatores desencadeantes do estresse.
A discussão é longa. A primeira tentativa de normatizar a pesquisa com animais é de 1846: foi o Ato de Crueldade contra Animais, de Londres (Inglaterra) e coincide com a popularização da anestesia com éter em cirurgias.
No Brasil, os primeiros comitês de ética para pesquisa com cobaias de laboratório surgiram nos anos 1980. Atualmente, estes comitês são regidos pela Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL), que nasceu com o objetivo de defender o bem-estar animal, seu uso racional em laboratório e o estabelecimento de uma legislação específica.
A polêmica
A comunidade científica valida o uso de cobaias de laboratório. Em 2007, o Prêmio Nobel de Medicina foi entregue ao trio de cientistas Mario Capecchi, Oliver Smithies e Martin Evans, que utilizaram ratos geneticamente modificados, provocando doenças semelhantes às humanas, para estudar os possíveis tratamentos.
Por outro lado, enquanto a prática é premiada e estimulada, outros cientistas e alguns grupos da sociedade civil reivindicam a eliminação total do uso das cobaias de laboratório ou, pelo menos, o estabelecimento de restrições para os experimentos e a adoção de normas mais precisas para garantir o bem-estar dos animais confinados.
Argumentos a favor
Muitos pesquisadores defendem o uso de cobaias de laboratório como instrumento imprescindível para o avanço da ciência – e isto significa o desenvolvimento de novas drogas e vacinas que possibilitarão, no médio prazo, o combate de doenças que vitimam milhões de pessoas a cada ano.
Para muitos, a vivissecção ainda é necessária (vivissecção é o ato de dissecar um animal vivo para realizar estudos anatômicos e fisiológicos; trata-se de uma intervenção invasiva, com objetivos pedagógicos e científicos).
Para estes cientistas, o desenvolvimento das indústrias farmacêutica e cosmética depende do uso de cobaias de laboratório. Mesmo assim, é importante que o número de animais empregados nas experiências seja reduzido ao mínimo necessário e que os protocolos estabelecidos pela SBCAL sejam rigorosamente seguidos.
Mas por que as cobaias de laboratório são necessárias no desenvolvimento de novos produtos? Os estudiosos precisam conhecer os efeitos de uma nova substância no organismo como um todo, e não apenas nos órgãos e tecidos que deveriam sofrer, em tese, os efeitos benéficos.
Inicialmente, um novo medicamento é analisado teoricamente; em seguida, entram em cena as cobaias de laboratório, animais cujas respostas fisiológicas são semelhantes às reações humanas: camundongos, preás, cachorros, gatos, porcos, cavalos, etc.
Posteriormente, os produtos são testados em cobaias humanas. Na primeira fase, são investigadas a segurança e a tolerância; na segunda fase, verifica-se a eficácia do medicamento ou cosmético no combate a determinada doença (ou no embelezamento e restauração de cabelos e unhas, por exemplo).
Posteriormente, são realizados ensaios com grupos significativamente maiores e finalmente é solicitado o registro do medicamento, cosmético ou produto de higiene junto à ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
De acordo com os defensores do uso de cobaias de laboratório, as alternativas atualmente disponíveis ainda não são suficientes para substituir integralmente os testes reais com animais, na verificação de reações orgânicas, mas seu emprego deve ser incentivado, para a substituição progressiva dos métodos experimentais.
Mesmo sendo realizados em animais, com organismos semelhantes, mas sempre diferentes, os testes com cobaias apresentam grande margem de acerto em predizer os efeitos de novos produtos sobre a saúde humana no curto, médio e longo prazo.
Com a utilização de cobaias de laboratório, é possível produzir vacinas (como raiva, difteria, tétano, sarampo, etc.) e soros fundamentais para a saúde humana. O soro antiofídico, por exemplo, aplicado em pessoas que sofreram picadas de cobras peçonhentas, é feito com a aplicação gradual, em cavalos, de doses sempre maiores dos venenos, até que o animal adquira resistência.
Argumentos contra
Alguns experimentos com cobaias de laboratório são feitos sem anestesia, provocando dores extremas, cegueira, surdez e morte. Muitos animais têm membros amputados. Pesquisadores afirmam que estes testes somam 80% do total.
Testes para provocar a tolerância à toxicidade de substâncias como o álcool e o tabaco, por exemplo, causam embriaguez (e a consequente ressaca), doenças hepáticas e morte. Nos EUA, 100 milhões de animais morrem todos os anos, um terço deles sacrificados em nome da indústria de cosméticos, de acordo com a ONG The Human Society (A Sociedade Humana).
Não existem estatísticas oficiais no Brasil, mas, apenas no Instituto Vital Brazil, do Rio de Janeiro, são sacrificados 17 mil camundongos, 80 preás e 60 coelhos a cada mês (em contrapartida, são produzidas 60 mil doses de soro antiofídico, 120 mil doses de vacina antirrábica e cinco milhões de dose de vacina antitetânica).
Na indústria da beleza, as “vítimas” são hamsters, preás, ratos e coelhos. Eles são submetidos a irritações e alergias de pele e outros tipos de infecções, para testar sabonetes, cremes e xampus.
Testes em laboratório causam sofrimento, transtornos psicológicos e ferimentos físicos. Já é consenso entre os biólogos e outros cientistas que estes experimentos são experimentados de forma consciente por animais não humanos, como outros mamíferos, aves e até moluscos: eles são dotados de substratos neurológicos que permitem não apenas vivenciar, mas também prever a dor.
Diversos estudos realizados com cobaias de laboratório não surtiram os efeitos esperados quando os produtos foram analisados em ensaios clínicos com cobaias humanas. O argumento pró de que as respostas são muito semelhantes é uma inverdade. O emprego de animais em testes de drogas contra a AIDS, por exemplo, não mostrou nenhum resultado significativo.
No início dos anos 1960, um caso conhecido como “a tragédia da talidomida” revelou a inconsistência da segurança proporcionada pelos testes com cobaias de laboratório. A droga, indicada como tranquilizante e para reduzir os enjoos da gravidez, mostrou-se segura nos experimentos durante três anos. Na vida real, milhares de crianças nasceram com deformações congênitas nos membros, depois que suas mães usaram o medicamento.
Os métodos alternativos ao uso de cobaias de laboratório incluem testes “in vitro” (com tecidos e células vivas), utilização de vegetais, ensaios clínicos não invasivos com cobaias humanas (inclusive portadores de determinadas enfermidades), estudos epidemiológicos, simulações computadorizadas, técnicas físico-químicas (como a tomografia e a ressonância), modelos estatísticos, nanotecnologia e estudos com cadáveres.
Um argumento que gera discussões filosóficas: é válido que os animais sofram para o desenvolvimento de medicamentos (e outros produtos) de uso humano? Considerando que todos eles são dotados de alguma forma de inteligência – o mito do homem como “único animal racional” já caiu por terra há muito tempo – isto não é uma forma de exploração?
E aí, qual sua opinião?