No mês de fevereiro de 2015, uma festa universitária realizada em Bauru (SP), por estudantes da UNESP, foi parar nas páginas policiais e espantou o país inteiro. O motivo: uma competição para ver quem conseguia beber mais vodka. Vários estudantes foram internados em estado de coma e um deles, que bebeu 25 doses em binge (menos de duas horas) não resistiu. O jovem estava cursando o 4º ano de Engenharia Elétrica.
Pode-se pensar que beber em binge é uma idiotice pura. Porém, é preciso lembrar que adolescentes e jovens precisam “participar do grupo”. Eles repetem comportamentos considerados radicais que observam em seus amigos. É uma forma de pertencimento – e também uma conduta hardcore, fora dos padrões aceitos pela sociedade.
No Brasil, cerca de 10% da população é constituída por alcoólatras, de acordo com pesquisas realizadas pela Associação Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas (ABEAD). Os acidentes causados por motoristas bêbados representam 60% do total. A bebida provoca 32 mil mortes a cada ano, 11 mil delas por cirrose.
Socialmente aceitável
Mesmo com estes números, beber é um fato sociavelmente aceitável no país. Muitos pais estimulam os seus filhos ao consumo precoce. Um dos argumentos é que os jovens precisam mostrar que são “machos”, como se a virilidade coubesse em um copo de bebida.
O alcoolismo, no entanto, não é um privilégio masculino. De acordo com o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA, uma organização social civil de interesse público), 60,6% das mulheres admitem fazer uso regular de bebidas (com maior incidência na faixa entre 18 e 24 anos: 68,2%). O consumo vem aumentando ano a ano.
No mundo todo, mais de dois bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas, consideradas legais pela maioria dos países. Uma em cada 20 mortes no planeta está associada ao abuso etílico, totalizando 2,5 milhões de óbitos a cada ano (sem considerar as mais de 60 doenças crônicas desenvolvidas pelos dependentes).
O INPAD (Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas), da UNIFESP, coletou dados em 2006 e 2012 sobre os hábitos de consumo de álcool dos brasileiros maiores de 14 anos. Neste intervalo de seis anos, ocorreu um crescimento significativo: os bebedores passaram de 45% para 59% da população. O aumento entre os homens foi de 30%; entre as mulheres, de 36%.
Neste cenário, beber em binge – o uso episódico e em curto período – acabou se tornando moda. Considera-se que um homem não pode exceder as cinco doses em uma mesma ocasião social (cerca de duas horas). Para as mulheres, são apenas quatro doses (uma dose significa uma taça de vinho, uma lata de 350 ml de cerveja ou 30 ml de destilados, como uísque ou conhaque).
Binge drinking
O fígado é o responsável por metabolizar o álcool em nosso organismo. Porém, ele tem capacidade limitada: a cada 90 minutos, uma dose de bebida destilada é retirada da corrente sanguínea e transferida para o aparelho excretor.
As doses excedentes são calorias vazias (sem nenhum valor nutricional), que vão para o cérebro e respondem pelos sintomas da embriaguez (perda de concentração, do equilíbrio, falta de memória, etc.) os problemas, contudo, não param aí: o álcool age como depressor da capacidade cardiorrespiratória; em excesso, pode levar o portador do distúrbio a um coma alcoólico e, eventualmente, à morte.
Para um bebedor de 80 kg, a partir de 25 doses (de 30 ml), uma bebida destilada se torna letal, se for ingerida em duas horas ou menos. A “graça” de beber em binge parece ser justamente esta: ficar totalmente bêbado, cair em algum sofá ou almofada e desmaiar. Este, no entanto, aliado à ressaca infalível, é o melhor dos cenários possíveis nesta situação.
No caso do binge, é preciso fazer uma distinção: o alcoolismo é uma doença (classificada pela Organização Mundial da Saúde) na qual o portador não consegue resistir à vontade incontrolável de beber, perde o controle dos atos e se torna dependente.
O binge significa apenas beber em excesso, sem que seja desenvolvida naturalmente uma compulsão. Os alcoólatras, no entanto, quase sempre desenvolvem tolerância cada vez maior às bebidas (o que, por outro lado, pode levar a crises de abstinência). O exagero em um único evento, prática assumida por 28% dos brasileiros, pode acarretar problemas fatais: além do coma, os jovens podem provocar acidentes de trânsito e já houve casos de pessoas que despencaram de sacadas e terraços. No médio prazo, gastrites e úlceras são bastante comuns, além dos problemas familiares e conjugais.
Outros problemas também são comuns entre os membros que bebem em binge: relações sexuais desprotegidas (com o risco de contrair gravidez ou DSTs), violência de todos os níveis (brigas em bares, violência doméstica, homicídios, etc.), crises de hipertensão arterial ou descontrole de doenças crônicas, como o diabetes.
Quem bebe em binge?
Um levantamento feito pelo médico psiquiatra Daniel Sócrates, da UNIFESP, estudou o comportamento do exagero da bebida. O especialista constatou que os rapazes têm três vezes mais possibilidades de beber em binge do que as moças.
Os participantes entre 18 e 44 anos têm quatro vezes mais possibilidades do que os adolescentes, pessoas de meia idade e idosos.
Isto se configura também como um problema social, transformando o combate ao binge em um caso de saúde pública. A faixa etária mais exposta é justamente a em que está inserida a maior parte da população economicamente ativa. Faltas ao trabalho e queda de produtividade são mais alguns “efeitos colaterais” e é necessário estabelecer políticas públicas para minimizar este mal.
O principal objetivo confessado pelos jovens que bebem em binge é conseguir se relaxar e interagir melhor com os colegas. As paqueras se tornam mais fáceis, de acordo com mais da metade dos entrevistados. A prática, porém, compromete a capacidade cognitiva, de julgamento e de atenção.
Os principais sintomas causados pelo binge são dores de cabeça, náuseas e vômitos, vertigens, tremores, perda de memória (amnésia alcoólica) e a inevitável ressaca no dia seguinte. Qualquer um destes sinais, por mais leve que seja, é um sinal de alerta do organismo para deixar as garrafas de lado.