Não podemos nem sequer imaginar o número de “vizinhos” eu habitam o nosso corpo. Os microrganismos comensais, mutuais e parasitas ultrapassam a casa dos dez bilhões por centímetro quadrado. Estima-se que mais de mil espécies de bactérias “passeiem” conosco onde quer que estejamos. Elas são mais comumente associadas a regiões de grande transpiração, como pés, axilas e virilha, mas podem ser localizadas em lugares insuspeitos, como o umbigo.
Para explicar: comensalismo é a relação entre dois seres em que há benefício para um deles, sem prejuízos para o outro (como a rêmora, um peixinho que se agarra à nadadeira de um tubarão e se alimenta dos restos de suas presas); no mutualismo, os dois espécimes se beneficiam (como as aves que sorvem o néctar das flores e, “em troca”, espalham o pólen e permitem a fertilização); por fim, o parasitismo representa uma relação em que um dos indivíduos sai prejudicado (como a solitária, que se instala nos intestinos humanos e suga os nutrientes).
Milhares de espécies de bactérias se alojam naturalmente (parte delas pode ser considerada como invasora) em nossa boca, faringe, laringe, pulmões, esôfago, estômago, intestinos, região urogenital, pele, umbigo, e por aí vai. As colônias de bactérias são as mais numerosas, mas dividem espaço com outros microrganismos, como fungos, leveduras, vermes, etc.
Uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA) já identificou 2.400 espécies diferentes de bactérias apenas no umbigo humano. Deste total, 1.500 podem nunca ter sido observadas em laboratório.
Os cientistas desenvolveram o estudo a partir de amostras de DNA colhidas no umbigo de 391 doadores voluntários. A pesquisa abrange homens e mulheres de diferentes idades e grupos étnicos e também com diferentes hábitos de higiene: foram selecionados desde os mais “sujinhos” até pessoas viciadas em limpeza corporal.
O objetivo inicial do estudo, significativamente batizado de “Biodiversidade do Umbigo” era apenas despertar o interesse da sociedade pela microbiologia e atenuar as preocupações do público com os malefícios dos microrganismos à nossa saúde. O umbigo foi escolhido por ser mais difícil de lavar e esfregar do que o restante do corpo.
As bactérias do umbigo são perigosas?
Ainda se sabe muito pouco sobre estes hóspedes, mas algumas dúvidas já foram sanadas. Por exemplo, a migração das bactérias do umbigo para outras regiões da pele é um fato raro e elas nunca invadem o organismo. Provavelmente, elas e todos os outros microrganismos colonizam o corpo humano há milênios e só provocam danos quando ocorrem desequilíbrios, como um aumento repentino do número de espécimes.
Produtos de higiene que prometem eliminar “100% dos germes”, quando são eficientes, apenas conseguem manter este equilíbrio, mantendo vivos bilhões de seres microscópicos. Isto é mais do que suficiente para a nossa higiene, já que diversas funções humanas seriam impossíveis sem eles. Não apenas na pele, mas também na respiração, digestão e excreção.
Bioma do umbigo
A quantidade média de espécies de bactérias encontrada nas amostras de DNA do umbigo ficou em 67, mas alguns indivíduos apresentaram mais de cem. Do grupo de voluntários, a surpresa ficou por conta de 10% dos indivíduos, com biodiversidade acima de mil espécies, um verdadeiro zoológico em pleno centro do nosso abdômen.
Uma destas “convidadas” só havia sido identificada na zona tropical dos oceanos; outra, apenas na China e Japão, locais nunca visitados pelos voluntários. Biólogos explicam que esta diversidade pode ser explicada somente porque a conformação do umbigo (uma cicatriz deixada pelo cordão umbilical), com suas pregas e angulosidades, faz com que a região seja mais acessível aos microrganismos do que outras áreas da nossa epiderme.
Outro voluntário, alegadamente avesso a banhos, hospedava espécies nativas das calotas polares e de fontes termais ou de terrenos superaquecidos por intensa atividade vulcânica. Sabe-se que as bactérias, que figuram entre os primeiros seres vivos do planeta, estabeleceram estratégias evolutivas que permitiram a elas viverem nas mais diversas condições, do frio antártico ao interior de vulcões. Atualmente, são conhecidas apenas três espécies hipertermófilas (que se desenvolvem e reproduzem apenas quando a temperatura fica acima dos 85°C): uma delas estava no umbigo do indivíduo.
Apesar das “companhias desconhecidas” e das curiosidades aqui citadas, a imensa maioria das bactérias encontradas (80%) pertence a apenas 40 espécies. Sete em cada dez voluntários apresentavam oito microrganismos em comum e, aparentemente, as colônias mais numerosas tendem a se tornar hegemônicas, reduzindo o espaço para “turistas”.
Isto indica que a presença das bactérias no umbigo apresenta grande variedade de indivíduo para indivíduo – cada ser humano carrega seu próprio “mix” de microrganismos, que, até prova em contrário, convive pacificamente e não traz prejuízos para o homem: alguns são benignos, alimentando de células mortas da pele ou de sujidades.
O desafio do momento, para os biólogos, é entender como estas bactérias podem afetar a saúde humana e também a correlação entre o local de nascimento dos hospedeiros e a sua participação nas funções orgânicas (como o fortalecimento do sistema imunológico, por exemplo). As diferenças entre os biomas identificadas até aqui não podem ser explicadas pelo sexo, etnia, faixa etária, nem pela frequência dos banhos. Por enquanto, as cientistas Christina Agapakis (americana) e Sissel Tollas (norueguesa) já conseguiram obter queijos a partir da fermentação de bactérias de diversas partes do corpo (elas dizem que o odor do corpo de que os microrganismos foram retirados). Uma das iguarias foi feita com bactérias do umbigo do escritor e jornalista americano Michael Pollan. Que tal um pedaço?