De acordo com especialistas, o termo “tríade” equivale ao termo “máfia”, isto é, não se refere a um grupo criminoso. Antes, serve para designar um modo de organização, ação e objetivos comuns. O nome serve para designar as três forças do universo, de acordo com várias vertentes da filosofia chinesa: o céu, a terra e o homem.
As tríades começaram a surgir no século XVII. Inicialmente, eram sociedades secretas para combater os manchus, grupo étnico que formou a dinastia Qing e governou a China até 1911, quando foi instituída a república no país. Atualmente, a língua manchu está praticamente extinta, mas as tríades continuam firmes e fortes.
Existem 50 tríades ativas hoje em dia (a mais organizada é a Sun Yee On), que reúnem mais de 300 mil homens. Somando-se os membros de grupos criminosos menos expressivos, que executam serviços de menor importância, as tríades atingem o impressionante número de 1,5 milhão de componentes na China e 2,5 milhões em outras partes do mundo.
O problema do idioma
Um dos principais problemas da polícia e da justiça para combater o crime organizado é a infinidade de dialetos falados na China, muitas vezes inteligíveis apenas pelos falantes, e isto demanda a presença de tradutores em delegacias e tribunais.
A dificuldade de entendimento gera depoimentos pouco confiáveis, facilmente derrubáveis no decorrer do processo. Outro problema gerado é a tradução de escutas telefônicas. Na maioria das ocasiões, as autoridades simplesmente abrem mão deste recurso, cientes dos resultados pouco significativos (ou nulos) obtidos com a prática.
Ex-províncias
Macau nasceu portuguesa, no início do século XVI, e assim permaneceu até o final do século XX (a cidade foi incorporada à China em 1999). Hong Kong permaneceu inglesa de 1842 (com o fim da Guerra do Ópio, entre China e Inglaterra, vencida por esta última nação) a 1997. Taiwan (ou Ilha de Formosa) foi fundada em 1912 (abrangia boa parte do território continental) e nunca aceitou submeter-se ao governo comunista, implantado em 1949. A China nunca reconheceu Taiwan como Estado independente.
Aspectos culturais e características geográficas destas dominações territoriais contribuíram sensivelmente para delinear a atuação das tríades em cada região. Em Taiwan, a principal influência veio da Yakuza, a máfia chinesa. As tríades taiwanesas são muito bem organizadas e verticalmente estruturadas, com um chefe para cada grupo (com poder de vida e morte), alguns líderes e muitos participantes na base desta pirâmide criminosa.
No país, a organização se desenvolveu principalmente pela penetração nas Forças Armadas e no meio político, manipulando eleições descaradamente e obtendo cargos públicos estratégicos para neutralizar as frágeis possibilidades de combate do governo.
Em Hong Kong, a atuação das tríades assumiu as características dos crimes de rua, comuns na Europa do século XIX. Atualmente, a atuação é menos ostensiva, mas os membros são conhecidos e respeitados pelas comunidades locais.
As tríades de Hong Kong têm ramificações no Vietnã, Malásia, Cingapura, EUA, Canadá, Austrália, Rússia e Inglaterra, entre outros países. O poder se intensificou especialmente porque a cidade está praticamente no centro do chamado “Triângulo de Ouro”, formado por Laos, Tailândia e Myanmar, países que são grandes fornecedores de ópio e heroína.
A posição de Hong Kong – que ainda tem foro especial, não tendo que respeitar plenamente às leis chinesas – é estratégica também em relação ao fuso horário: as negociações ilícitas com a Europa e EUA se tornam mais fáceis. Até hoje, a cidade é um dos principais centros de lavagem de dinheiro “frio” do mundo todo.
Em Macau, os crimes praticados pelas tríades eram basicamente locais até o início da segunda metade do século XX. Eram mais de 20 pequenos grupos, cuja violência se intensificou nos anos 1980, especialmente a partir da associação com grupos de Hong Kong.
O poder das tríades
O poder das tríades pode ser observado a partir de um fato exemplar, ocorrido no início dos anos 1980, ainda durante a Guerra Fria (entre EUA e URSS, com a atenta observação da China – e do mundo todo). Serviços de inteligência do Ocidente descobriram que o então presidente chinês, Deng Xiaoping, havia convocado uma reunião secreta entre os principais líderes operacionais das tríades de Hong Kong, os Cabeças de Dragão (equivalentes aos “capo dei capi”, líderes mafiosos de cidades ou grandes regiões), e altos membros do Partido Comunista Chinês..
Após a rodada de negociações, Xiaoping elogiou publicamente os criminosos, afirmando que as tríades são “grupos de patriotas”: nem mesmo o poderoso partido comunista (até hoje, único partido autorizado na China) conseguiu fazer face ao poder paralelo do crime.
A estrutura hierárquica das tríades
O chefe regional é o “Cabeça de Dragão”, que controla as operações de um número maior ou menor de tríades. Seu poder depende do lucro e da capacidade de defender a integridade do seu território – se possível, de ampliá-lo, com a “neutralização” de grupos rivais.
Os “Mestres do Incenso” também fazem parte das organizações. Eles são os responsáveis pela iniciação de novos membros nas tríades. Mas, ao contrário do que o título possa sugerir, sua missão é investigar a vida pregressa dos ingressantes, tarefa em que são auxiliados pelos “Patrulheiros do Vento”. Seja como for, historiadores afirmam que aas cerimônias de iniciação das tríades são bastante complexas.
O segundo nível da hierarquia é formado pelos gerentes. Os “Leques de Papel Branco” controlam a contabilidade, os “Sandálias de Palha” são os diplomatas, responsáveis pelo diálogo com outras tríades e os “Bastões Vermelhos”, especialistas em artes marciais, são os encarregados por manter – ou restaurar – a disciplina do grupo.
Finalmente, na base da organização, estão os membros ordinários, que executam crimes básicos (como extorsões e exploração da prostituição) e os “Lanternas Azuis”, candidatos a ingressar em uma tríade. Em muitas cidades chinesas, participar da tríade local é um sonho de infância, muitas vezes alimentado pelos próprios pais.
O negócio das tríades
As tríades agiam inicialmente para restaurar a Dinastia Ming, derrubada do poder pelos manchus. Rapidamente, no entanto, o crime se afastou das motivações políticas originais e revelou-se como uma excelente forma de obter recursos financeiros: pequenos expedientes marginais, como extorsão (exigência de pagamentos, por moradores e comerciantes, a título de “proteção”), espoliação de pequenas propriedades e execução de vinganças – principalmente sequestros, homicídios e torturas – se tornaram progressivamente mais comuns.
O imperialismo britânico beneficiou indiretamente as tríades. No século XIX, o Reino Unido se estendia do Canadá à Austrália e estabeleceu rotas comerciais pelo mundo inteiro. Com as mercadorias, começaram a seguir as primeiras drogas ilícitas derivadas da papoula. Antes que fosse conhecido o potencial nocivo da heroína e ópio, as drogas contagiaram as elites europeias (para citar apenas um exemplo, o médio Sigmund Freud, fundador da psicanálise, provavelmente se tornou dependente de heroína e cocaína, derivadas das “excitantes plantas das florestas tropicais”).
O tráfico de drogas garantiu bons rendimentos para as tríades, que ampliaram seus negócios com tráfico de mulheres e de armas, lavagem de dinheiro e prostituição. Mais tarde, o contrabando de produtos industrializados de má qualidade também se tornou uma excelente fonte de recursos.
Aparentemente, o Paraguai se tornou um importante ponto de distribuição para o contrabando chinês, com a remessa de produtos ilegais para países da América do Sul (especialmente Brasil, Chile e Argentina). No entanto, o Paraguai não tem saída para o mar: é preciso que a mercadoria chegue por terra até o seu território.
As tríades são claramente organizações mafiosas, não apenas pelos seus crimes, mas também pela organização interna, poder político, econômico e cultural, que atinge outros países, possivelmente inclusive o Brasil.