A razão parece óbvia: o Dia das Crianças foi estabelecido para aumentar o faturamento do comércio. O 12 de Outubro é o Dia de Nossa Senhora Aparecida, santa padroeira do Brasil (nesta data, foi encontrada uma escultura da imagem, inicialmente sem a cabeça, teria sido trazida à tona por pescadores, no rio Paraíba do Sul, em 1717; depois disto, eles registraram uma pescaria recorde).
É também a data da descoberta da América, por Cristóvão Colombo, quando o navegante genovês a serviço da Coroa espanhola aportou na ilha Hispaniola, atualmente ocupada pelas nações Haiti e República Dominicana. O explorador batizou as ilhas recém-encontradas de “continentes-crianças”, por terem sido encontradas tardiamente, ao menos pelos colonizadores europeus.
Em 1923, o Rio de Janeiro, então capital do país, sediou o 3º Congresso Sul-Americano da Criança, com discussões centralizadas basicamente nos temas saúde e educação. O deputado federal Galdino do Valle Filho (do Partido Democrático Fluminense, do Rio de Janeiro) aproveitou o gancho e apresentou o projeto de lei que definiu o 12 de Outubro como o Dia das Crianças, sancionada pelo presidente Artur Bernardes, que governou o país entre 1922 e 1926. No entanto, a burocracia brasileira é uma velha conhecida: a lei só passou e valer em 5.11.1924, quase um mês depois da festa idealizada – e não cumprida.
A data ficou um tanto quando esquecida, como a maioria das homenagens criadas pelos nossos parlamentares, como o Dia do Mágico (31 de Janeiro) e Dia da Não Violência (30 de Janeiro, data da morte do líder indiano Mohandas Gandhi).
As homenagens para as crianças, quando aconteciam nestes quase 40 anos, limitavam-se a ações filantrópicas, inclusive as capitaneadas por Pérola Byington, fundadora da Cruzada Pró-Infância (atualmente, o hospital leva o seu nome). No máximo, se limitava a lanches e brincadeiras, sem consumismo indiscriminado.
Até um presidente não detinha informações precisas sobre a data comemorativa: em 1940, o presidente-ditador Getúlio Vargas, ignorando o ato do presidente Bernardes, determinou o 25 de Março para o Dia das Crianças. A data marca a anunciação, para Maria, da gravidez de Jesus, o Messias salvador de acordo com muitas tradições.
As vendas entram em cena
Ninguém deu muita atenção às crianças, nem à sua data especial, até 1960, quando a farmacêutica Johnson & Johnson e a fabricante de brinquedos Estrela se aliaram para criar a Semana do Bebê Robusto, aproveitando a data homologada elas autoridades, mas ignorada pela maioria dos brasileiros, para distribuir alguns presentes e alavancar as vendas.
No mesmo ano, foi organizada a primeira Semana da Criança, no Parque do Ibirapuera (em São Paulo), com muitas atrações – e muito mais merchandising para atrair milhares de infantes afoitos para as atividades do parque.
Nos anos seguintes, outros fabricantes de doces, brinquedos e artigos infantis aderiram ao “Bebê Robusto” e as comemorações gradualmente se universalizam na maior parte do país. As lembrancinhas, no entanto, se transformaram em tablets, celulares e notebooks.
0 12 de Outubro caiu como uma luva para o comércio e indústria, que tem datas estratégicas para aumentar o faturamento: em janeiro e julho, as férias escolares; em fevereiro, o Carnaval; entre março e abril, a Páscoa; em maio, o Dia das Mães; em junho, as festas juninas e o Dia dos Namorados; em agosto, o Dia dos Pais (com comemorações bem mais tímidas); em novembro, começam a se aquecer as compras natalinas. Faltava uma comemoração de impacto para outubro.
A data, que por décadas foi negligenciada, se tornou um evento ansiosamente esperado. É a segunda melhor data para o comércio em todos os níveis sociais; só perde para as vendas do Natal. Com a transformação do 12 de Outubro em feriado nacional (em homenagem à padroeira, e não às crianças), em 1980, as promoções e atrativos do varejo e da prestação de serviços aumentaram exponencialmente, para desespero de pais e mães sem dinheiro para comprar roupas, brinquedos caros e chocolates para seus filhos.
Cada país implantou suas próprias datas para homenagear as crianças. Em Portugal e Moçambique, o Dia das Crianças é comemorado em 1º de Junho (o motivo português são as comemorações a Maria, Nossa Senhora, mãe todos os homens; o moçambicano foi marcar um genocídio infantil causado por tropas nazistas em 1943); na Índia, em15 de Novembro; na China e no Japão, em 5 de Maio (as chinesinhas comemoram em 3 de Março); em vários países da África Central e costa da Guiné, a data escolhido foi o 25 de Dezembro. Ao todo, mais de cem datas foram eleitas ao redor do mundo para celebrar os baixinhos.
O Dia das Crianças e a ONU
A Organização das Nações Unidas escolheu 20 de Novembro: nesta data, em 1959, os países membros da ONU a aprovação dos direitos das crianças. A declaração afirma que todas as crianças têm direito à vida e à liberdade, a uma nacionalidade, à alimentação e ao atendimento médico antes e depois do seu nascimento (este item foi ampliado também para as mães), ao amor e à compreensão de seus pais e da sociedade, à educação e a não serem violentadas verbalmente ou agredidas fisicamente por todos os adultos responsáveis da sociedade.
Além disto, a declaração estabelece que todas as crianças são iguais e têm os mesmos direitos, independente de sexo, cor, etnia, religião, origem social e nacionalidade. As crianças portadoras de necessidades especiais têm o direito a tratamento, acolhimento e educação.
Pena que estas determinações, em muitos lugares, permaneçam apenas no papel. A organização não governamental Médicos sem Fronteiras calcula que nove crianças morram a cada minuto por não receberem nutrientes fundamentais em suas dietas alimentares. O melhor presente que elas poderiam ganhar – e nos 365 dias do ano – seria o respeito aos seus direitos básicos.