O Cristianismo, nos primeiros séculos, conheceu diversas perseguições. Tudo mudou a partir do século IV, quando o imperador romano Constantino I se converteu, promulgou o edito de tolerância (que permitia as cerimônias) e, em seguida, alçou o Catolicismo a religião oficial do Estado. Houve, no entanto, um problema. O imperador conheceu a nova fé através de Ário, um presbítero de Alexandria (Egito), que defendeu uma nova doutrina de cristologia e criou uma das primeiras heresias cristãs, de acordo com a Igreja Católica.
De acordo com o arianismo, o Filho e o Pai não tinham a mesma essência, o Filho era uma criação do Pai e houve um tempo em que Jesus ainda não existia. Para a corrente católica, Jesus incorporou as essências humana e divina no momento do advento e, segundo o dogma da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo existem desde toda a eternidade.
Em 325, o imperador reuniu as principais lideranças cristãs em Niceia (atual Iznik, na Turquia), para que as questões da fé fossem discutidas. As teses de Ário foram rejeitadas e consideradas como heréticas. Ário foi expulso do concílio e banido, mas a pena foi comutada alguns anos depois.
Outras heresias cristãs já haviam surgido e muitas outras ocupariam espaço político-religioso, especialmente durante a Idade Média europeia. Vamos conhecer detalhes de algumas delas.
A origem das heresias
O Catolicismo ganhou hegemonia entre os cristãos italianos. Encontrava resistência nas igrejas do Oriente, mas, a partir do século VII, o Islamismo ganhou terreno no norte da África, Turquia e Oriente Médio. A Igreja Cristã perdeu territórios importantes, restringindo-se ao continente europeu.
O termo “heresia” se refere a crenças que foram declaradas anátemas pela Igreja Católica antes do cisma de 1054, que separou os cristãos em católicos e ortodoxos. Desde então, as duas vertentes passaram a usar a palavra pra designar doutrinas heterodoxas em questão de fé.
Algumas confissões protestantes chegaram a usar o termo, mas, por falta de autoridade central nestas igrejas, não se pode falar de heresia a partir do ponto de vista protestante.
Os adeptos da ortodoxia consideram que a Igreja Católica é a depositária dos ensinamentos do Cristo e goza de algumas prerrogativas em relação às outras confissões. Os ensinos são guardados no magistério, exercido pelo bispo local e pelo bispo de Roma. Igreja Católica vem do grego e significa “comunidade universal”: é a igreja total, perfeita na unidade e na união com o Cristo.
Outras formas de Cristianismo eram vistas como desviantes, heterodoxas e heréticas. Algumas interpretações deram espaço para perseguições.
Nos primeiros séculos da igreja primitiva, grupos cristãos estabeleceram dogmas que também podem ser considerados heréticos, especialmente depois que o bispo de Roma (o papa) foi proclamado como “primus inter pares” – primeiro entre iguais.
As primeiras heresias
O antinomianismo desenvolveu a ideia de que não há necessidade de obedecer a legislações que versem sobre ética e moral, na forma como as autoridades religiosas propõem. Poucos grupos assumiram esta doutrina, que é mais empregado para criticar a relação da fé com a salvação.
Para o audianismo, Deus tem forma humana (como está descrito no Livro da Gênese: “façamos o homem à nossa imagem e semelhança”). Os conceitos foram elaborados por Audaeus, um sírio que viveu no século IV. Para ele, a morte de Jesus deveria ser relembrada na Páscoa judaica, e não de acordo com o novo calendário católico.
Um cristão berbere, Donato, propôs regras rigorosas para as comunidades cristãs. As igrejas deveriam ser comunidades de santos, sem pecadores. O donatismo, desenvolvido no norte da África, afirmava que os pecados nos podiam ser perdoados. A heresia se referia especialmente aos cristãos que renegaram a fé durante a perseguição de Diocleciano, no início do século IV. Os adeptos desapareceram gradualmente, com o avanço do Islamismo.
O ebionismo acreditava que Jesus era o Messias (o salvador), mas negavam que tivesse essência divina. Eles pregavam a observação rígida dos preceitos judaicos, afirmavam que Tiago (um provável irmão de Jesus) era o chefe da igreja de Jerusalém e rejeitavam as cartas de Paulo de Tarso (chegaram a considerá-lo apóstata, que recusa total ou parcialmente uma doutrina). Em 375, eles foram tidos como eliminados de várias comunidades, mas alguns historiadores veem marcas de suas ideias até o ano 1000, especialmente no Oriente Médio.
Para o marcionismo, Jesus era o salvador e Paulo de Tarso, seu principal representante. No entanto, rejeitavam os textos do Antigo Testamento e consideravam o deus judaico como uma personagem muito menos expressiva do que o Deus amoroso apresentado nos evangelhos. A heresia foi ensinada do Marcião de Sinope, em Roma, por volta de 140. As ideias continuaram a ser divulgadas por mais de 300 anos, convivendo com a ascensão do Catolicismo.
O Paraíso na Terra
No início da Era Cristã, diversas comunidades em Israel acreditavam que o retorno de Jesus era iminente, para a implantação de um tempo de paz para o povo escolhido. Na verdade, quanto menores se tornavam as possibilidades de superar o confronto com os romanos, mais os judeus se apegavam a crenças messiânicas.
Isto gerou a crença de que o Cristo reinaria por um ciclo de mil anos – o milenarismo. Encerrada esta etapa, chegaria então o Juízo Final (idealizado com base em trechos do Livro do Apocalipse ou Revelação, que encerra o Novo Testamento). Finalmente, o mal seria derrotado e um novo céu e uma nova terra teriam origem.
Sem pecado
Entre os séculos IV e V, Pelágio, um monge da Bretanha, desenvolveu mais uma teoria dualista, que leva seu nome: o pelagianismo. Para ele, o pecado original não contaminou a natureza humana e mortal; desta forma, é possível escolher entre o bem e o mal sem o concurso de Deus.
Em outras palavras, o monge negou que a graça é um elemento fundamental para a salvação.
Pelágio escreveu livros sobre o pecado, o livre arbítrio e a graça. Suas ideias foram fortemente condenadas por Agostinho de Hipona (Santo Agostinho, um dos mais influentes pensadores católicos), para quem ninguém pode se abster da imoralidade, sem que Deus concedesse esta dádiva.