Um dos motivos para o homem ser o “rei da natureza” é que este animal peculiar é extremamente curioso: há milênios, está sempre querendo saber o quê e por quê. Esta curiosidade – e também a necessidade, para não discordar do filósofo grego – está na raiz da maior parte das descobertas e invenções. Muitas destas, no entanto, surgiram pura e simplesmente de acidentes.
A bem da verdade, a maior parte das invenções é fruto de muito esforço e de anos de trabalho, muitas vezes realizado solitariamente, em laboratórios improvisados. Mas o que seria do homem sem um pouquinho de sorte? Alguns acidentes viraram invenções que beneficiam a humanidade até hoje.
Fogos de brinquedo
Os chineses enfeitam as suas festas com fogos de artifício há mais de dois mil anos. É provável que diversos povos asiáticos tenham utilizado espetáculos pirotécnicos desde a Idade Média, mas os fogos – praticamente como os conhecemos hoje – só surgiram com a descoberta e manipulação da pólvora, substância altamente combustível.
O espetáculo que ilumina o céu noturno foi inventado por acaso. Consta que um alquimista chinês do século I juntou salitre (nitrato de potássio), enxofre e carvão acidentalmente. Em seguida, acendeu a mistura. A história não registrou quais eram os objetivos perseguidos pelo alquimista.
A mistura – a pólvora –, ao ficar seca, forneceu um pó seco e floculante (batizado de fogo químico) que, quando aceso, desprendia grande quantidade de fumaça e chamas. Colocado em um tubo de bambu, passou a integrar as festividades chinesas.
Quando os europeus chegaram à China (com o veneziano Marco Polo, no século XIV), interessaram-se pela pólvora. Levada à Europa, em pouco tempo ela começou a servir de detonador para algo muito menos lúdico (aliás, nem um pouco lúdico): as armas de fogo.
Versão oficial
“Se non è vero, è bem trovato”, como dizem os italianos. A versão mais aceita sobre a introdução do café nos hábitos cotidianos afirma que, no século IX, a planta silvestre chamou a atenção de um pastor de cabras e ovelhas da Etiópia. A história registrou o nome: Kaldi.
Este pastou passou a observar que os animais ficavam mais espertos e ágeis quando pastavam as folhas e frutos do cafeeiro. O jovem resolveu experimentar e sentiu-se mais bem disposto. A notícia correu entre as aldeias dos atuais Sudão e Quênia, além da Etiópia.
Um monge da região (provavelmente muçulmano) ouviu falar da “fruta energética” e passou a utilizá-la em infusão para resistir ao sono durante as longas horas de preces a que se dedicava.
Algumas curiosidades: a palavra “café” não tem origem em Kaffa, região em que a bebida foi inventada, mas em “qahwa”, que significa vinho, em árabe (a bebida mais importante do Mediterrâneo). Durante séculos, a Igreja Católica proibiu os fiéis europeus de consumir café, por se tratar de uma bebida muçulmana.
Lisa ou ondulada?
A “culpa” da invenção das batatas chips é do cozinheiro George Crum, que, em 1853, trabalhava em um resort em Saratoga Springs (Nova York, EUA). O chefe de cozinha estava irritado com um cliente do restaurante, que reclamava constantemente da qualidade das batatas fritas.
O consumidor exigente criticava as “french fries” de Crum, afirmando que elas eram grossas demais, não eram crocantes e sempre eram preparadas com muita gordura. O cozinheiro decidiu fatiar as batatas o mais fino que conseguiu, fritou-as imersas em gordura quente e serviu-as polvilhadas com sal.
A nova invenção gastronômica – na verdade, uma “vingança” contra um cliente chato, foi batizada de “Saratoga chips”. Para surpresa de Crum, o sempre insatisfeito consumidor aprovou a receita. Mais do que isto, divulgou aos quatro cantos a nova delícia do resort da cidade.
As batatas chips se popularizaram rapidamente, mas eram produzidas apenas em escala doméstica, já que não havia forma de conservá-las por muito tempo. A história mudou apenas em 1920, quando Laura Scudder patenteou o saco aluminizado (hermeticamente fechado): o salgadinho ganhou o mundo.
Café da manhã secular
Presente em muitos cafés da manhã no mundo todo, os flocos de milho não têm uma receita sofisticada, nem muito elaborada. Eles nasceram em 1894 – e os flocos pioneiros eram feitos com trigo: foi uma tentativa de substituir o pão nas refeições. Os “inventores” são os irmãos Kellogg: o médico John Harvey e o fundador da Kellogg’s, William Keith.
Dr. John chefiava o Sanatório de Battle Creek (Michigan, EUA) e o irmão foi trabalhar com ele, inicialmente como arquivista e posteriormente em diversas outras funções. A família Kellogg era adventista, religião contrária ao consumo de carne.
Em 1894, Dr. John ouviu falar sobre o trigo rayado, um cereal pronto para consumo que estava sendo cultivado no Estado do Colorado. O médico avaliou que poderia aperfeiçoar a ideia e fazer pães mais macios para os pacientes.
Certo dia, os irmãos Kellogg estavam tentando encontrar novas formas de produzir o novo alimento matinal, quando foram chamados com urgência em outro departamento do hospital. O trigo ficou esperando dois dias na cozinha. Quando John e William finalmente retornaram, tiveram uma grande surpresa ao passar o trigo pelos cilindros.
Os grãos se tornaram achatados, ao invés de serem triturados. Depois de tostados, ficaram crocantes. Foi um achado: estava “inventado” um dos alimentos mais populares do mundo. Posteriormente, William trocou o ingrediente principal pelo milho e a receita se mantém há mais de 120 anos.
Delícia gelada
“Especialidade da casa”, especialmente nos países tropicais, o picolé foi inventado por um garoto americano, morador de San Francisco (Califórnia). Em 1905, Frank Epperson, de apenas 11 anos, esqueceu um copo de suco no quintal.
Naquele dia, a temperatura estava muito baixa. Frank continuou as suas atividades e finalmente foi para a cama. No dia seguinte, encontrou o copo – em que ainda havia uma colher, utilizada para misturar o suco. Curioso, o garoto puxou a colher, que saiu presa a um pequeno bloco de gelo. “Miraculosamente”, este bloco tinha sabor de fruta.
Somente em 1912, quando tinha 18 anos, Frank Epperson apresentou uma receita semelhante (com um palito no lugar da colher). A novidade fez tanto sucesso, que Epperson patenteou a invenção já no ano seguinte e criou uma empresa para cuidar da comercialização.
Salvando vidas
Alexander Fleming (1881-1955) foi um médico, farmacologista e botânico inglês. Em 1928, o pesquisador trabalhava no Hospital de Saint Mary, em Londres. Ao sair de férias, Fleming esqueceu-se de algumas culturas de bactérias em sua bancada de trabalho.
Ao retornar, o cientista reparou que uma de suas placas de cultura, que continha estafilococos, havia sido contaminada por uma espécie de fungo: a placa estava totalmente tomada por fungos. A observação mais importante, porém, veio pouco mais tarde: em volta dos fungos (do gênero “Penicillinium”), todas as bactérias haviam morrido.
Sem querer, Fleming descobriu o efeito bactericida deste fungo da penicilina. A invenção, porém, teve que esperar bastante: a substância só foi purificada em 1940, tendo sido testada em seres humanos, com sucesso, já no ano seguinte.
O primeiro paciente foi um agente de polícia que sofria de septicemia, com abscessos por todo o organismo. O policial apresentou melhoras significativas, mas morreu quando o estoque de penicilina chegou ao fim. Em 1945, Fleming recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina.
Dos radares para a cozinha
Em 1945, o engenheiro americano Percy Spencer trabalhava para a Raytheon Company, produtora de armamentos e equipamentos eletrônicos para uso comercial e militar (atualmente, a empresa é a maior fabricante de misseis guiados).
Spencer estava desenvolvendo magnétrons (válvulas que transformam energia elétrica em ondas eletromagnéticas). Um dia, o engenheiro trabalhava em um sistema de radares, quando percebeu que uma barra de chocolate, que estava em seu bolso, havia se derretido.
Spencer percebeu rapidamente a importância da descoberta. Depois de fabricar um protótipo, experimentou estourar pipoca e, posteriormente, cozinhar ovos (que explodiram na primeira tentativa). A invenção mostrou-se totalmente viável.
No mesmo ano, a Raytheon patenteou o processo de cozinhar por micro-ondas e, dois anos depois, produziu o primeiro forno comercial. O modelo, que conquistou rapidamente as cozinhas industriais, restaurantes e lanchonetes, media 1,70 metro de altura e pesava 340 quilos.
Spencer permaneceu na Raytheon como consultor sênior até a sua morte, com 76 anos, em 1970. Durante a sua carreira profissional, o engenheiro registrou mais de 150 patentes industriais. Em 1999, o inventor do forno de micro-ondas foi incluído no Hall da Fama dos Inventores dos EUA.
De coração para coração
A sildenafila é uma substância química sintetizada por um grupo de farmacêuticos, pesquisadores do Laboratório Pfizer, dos EUA. A droga foi desenvolvida para tratamento de hipertensão arterial (alta pressão sanguínea) e angina (uma forma de dor cardiovascular).
Os primeiros testes foram um sucesso. Aplicada em ratos de laboratório, a sildenafila mostrou resultados consistentes. Chegada a etapa dos ensaios clínicos (com voluntários humanos), a substância não apresentou resultados significativos no tratamento da angina, mas revelou um efeito secundário bastante especial.
Em todos os cobaias do sexo masculino que participaram dos testes, a sildenafila provocou, em poucos minutos, fortes ereções penianas. No entanto, estas ereções não eram acompanhadas por dor ou latejamento, como ocorre depois da picada da aranha-marrom.
O medicamento pode ter deixado milhares de órfãos entre os pacientes cardíacos, mas até hoje faz a festa entre homens com disfunções sexuais. A sildenafila foi patenteada e 1996 e aprovada para venda comercial em 1998 (tanto nos EUA, como no Brasil). O nome comercial da substância? É o popular Viagra, também conhecido como “pílula azul”.