De acordo com a legislação brasileira, o aborto voluntário é proibido em todo território nacional. As exceções são: risco de morte para a gestante, gravidez decorrente de estupro e, mais recentemente, em casos de anencefalia, má-formação cerebral que ocorre durante a formação embrionária caracterizada pela ausência total ou parcial do cérebro. Fetos anencéfalos são inviáveis para a vida. A lei permite a interrupção também num caso inusitado: quando a mulher é inseminada artificialmente, sem seu consentimento.
O aborto foi enquadrado nos “crimes contra a vida” do atual Código Penal, promulgado em 1940. As penas para quem provoca a interrupção da gravidez – a gestante, o acompanhante e o responsável pela intervenção (médico, enfermeiro ou leigo) variam entre um e dez anos.
Mesmo assim, o Ministério da Saúde estima que sejam realizados anualmente de 730 mil a 1,25 milhão de abortos clandestinos. Estes números podem ser ainda maiores, pois os estudos se baseiam no total de mulheres que procura a rede pública de saúde com complicações, a maioria de baixa renda, que se submete ao uso de drogas e mesmo colheres e agulhas de tricô para retirar o embrião. Mulheres e casais com melhores condições financeiras recorrem a clínicas clandestinas, mas com boas instalações, onde a probabilidade de ocorrer problemas é sensivelmente mais baixa.
Os argumentos a favor
Isto provoca um acalorado debate entre dois grupos específicos. Entre os favoráveis à mudança da legislação e permissão da interrupção inclusive pelo SUS (Sistema Único de Saúde), os principais argumentos são: é um caso de saúde pública: proibir não coíbe a prática. Algumas fontes indicam que mais de dez mil mulheres morrem a cada ano e outras dezenas de milhares ficam com sequelas permanentes, como esterilidade.
Outros afirmam que a mulher tem direito sobre o seu próprio corpo e à sua vida, e isto inclui a decisão sobre o momento de ter filhos. A maternidade não desejada é a fonte de vários problemas para a mãe, o pai e a própria criança, como inadequações nas relações familiares.
No médio prazo, a legalização deve reduzir o número de abortos. A interrupção normalmente é feita por pessoas sem informação sobre contraceptivos, nem acesso a eles. Durante a internação, as mulheres receberiam orientação, preservativos e pílulas, além de uma relação de locais em que os anticoncepcionais são distribuídos gratuitamente.
A proibição é discriminatória: nas classes mais pobres estão as mulheres obrigadas a levar a gravidez a termo, às vezes em meio a humilhações e problemas domésticos. Além disto, a chegada de uma criança eleva os custos e reduz as oportunidades de uma educação adequada num lar equilibrado.
Os argumentos contra
O primeiro fato é que, hoje em dia, só engravida quem quer. O planejamento familiar é acessível a todas as famílias e os jovens recebem orientação sexual na escola. A distribuição de anticoncepcionais e mesmo da pílula do dia seguinte, que impede a fixação do zigoto no útero é suficiente para evitar a gravidez.
Um aborto é um atentado contra a vida humana, que tem início no momento do encontro entre o espermatozoide e o óvulo. O feto é uma pessoa com plenos direitos. Além disto, a legalização sujeitará a mulher a maiores pressões por parte dos parceiros que não se preveniram.
O aborto provocado vai piorar o atendimento público de saúde, já que vai congestionar ambulatórios e hospitais, e vai aumentar o total de interrupções, porque muitas mulheres vão encará-lo como um método contraceptivo.
O principal argumento esgrimido pelos grupos contra o aborto, porém, é o de que este é um ato intrinsecamente mal e imoral. Diversos grupos religiosos entendem que o aborto é um pecado, já que interrompe intencionalmente um ato praticado por Deus.
O aborto e as religiões
O Cristianismo, desde os primórdios, condenou o aborto. A Didaqué, texto atribuído aos apóstolos que teria sido escrita no século I, afirma: “Não matarás o fruto do teu ventre por aborto, nem farás perecer criança nascida”. A maioria dos ramos cristãos entende que o embrião já tem uma alma, especialmente criada por Deus, e sua trajetória não deve ser interrompida em nenhuma situação.
Mas há exceções: a Igreja dos Santos dos Últimos Dias aceita o aborto em casos de incesto e estupro, risco de morte para a mãe e quando a vida extrauterina será inviável (as mesmas situações presentes no Código Penal brasileiro). Mesmo assim, a igreja orienta seus fiéis a buscar a palavra de Deus para obter a melhor solução. A igreja mantém centros de adoção.
Já os espíritas, de acordo com orientação inserida em “O Livro dos Espíritos”, só admitem a aborto quando a vida da mãe está ameaçada. Esta religião, no entanto, não acredita em penas eternas e a maior parte dos orientadores dos centros conversa com mulheres e casais que praticaram a interrupção que buscam seu apoio, levando-os à reflexão da conduta mais conveniente a seguir, mesmo considerando o caso grave.
O Judaísmo não condena o aborto. Para os judeus, graças a uma disposição contida na Torá, o feto não goza do status de “pessoa”. Os religiosos devem oferecer uma compensação na sinagoga que frequentam. Como não existe uma autoridade central desta religião, os diversos grupos interpretam o aborto com mais ou menos liberalidade.
O Islamismo permite a interrupção em casos de risco de morte. Para algumas correntes, no entanto, o aborto pode ser aceitável em outras situações. Algumas seitas conferem ao feto status semelhante ao dos animais e plantas.
Não há consenso entre os budistas, mas a interpretação mais comum é que o aborto viola o preceito de defesa da vida. O Hinduísmo considera a prática abominável, mas ela é legal na Índia desde 1971. Taoístas e confucionistas entendem que o prazer e o sexo devem ser celebrados com moderação, mas o aborto tende a ser visto como uma solução viável para muitos casais.
Entendemos que oficiantes religiosos devem orientar seus fiéis com base em suas crenças, mas não podem obrigar ateus e agnósticos a seguirem suas convicções. A legalização do aborto não o torna obrigatório, não retira a necessidade de orientação adequada a adolescentes e jovens, nem transforma a prática em método contraceptivo. É preciso respeitar a consciência e os valores de cada um.