A partir do século IX, começaram a surgir as primeiras universidades da Europa. Nesta época, os candidatos ao ingresso não podiam frequentar as mesmas salas de aulas dos estudantes já selecionados e, por isto, participavam das atividades acadêmicas nos vestíbulos – saguões de entrada dos prédios universitários (e assim surgiu a palavra “vestibular”). Estes jovens vinham de diversas partes do país e tinham suas roupas queimadas e cabelos raspados. Esta é a origem do trote.
No entanto, o objetivo não era humilhar ou integrar os ingressantes. A preocupação era com doenças e pestes e, portanto, o trote nasceu como uma preocupação higiênica. Já a origem da palavra “trote” já traduz um desejo de submissão. Trote é o movimento dos cavalos entre a marcha lenta e a cavalgada. Ao aplicar o trote, os veteranos claramente demonstravam a necessidade de domar os novos alunos.
No século XV, ainda prevalecendo as necessidades profiláticas (algumas décadas antes, a peste bubônica havia dizimado um terço da população europeia), já era possível constatar os aspectos sádicos do trote. Relatos das universidades de Paris (França), Heidelberg (Alemanha) e Bolonha (Itália) indicam que os calouros tinham cabelos e pelos arrancados e eram obrigados a beber urina e comer fezes antes de serem considerados “domesticados”.
O trote sempre motivou polêmicas. A Universidade de Coimbra, em Portugal, uma das mais antigas do mundo ocidental, mantém a aplicação do trote desde as suas origens (lá, esta tradição iniciática tem o nome de práxis acadêmica). Os defensores afirmam que é uma tradição cultural multissecular que permite a integração dos calouros na vida universitária. Os que condenam a prática afirmam que ela é cruel, degradante, excludente e, por vezes, perigosa.
O trote no Brasil
E foi de Portugal que o trote chegou ao Brasil. Nos séculos XVIII e XIX, os ricos fazendeiros de café e os senhores de engenho enviavam seus filhos para estudar na metrópole, já que não havia cursos acadêmicos no país. Com a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, quando foi instituído o curso de Medicina em Salvador (BA) e, depois da independência, na implantação dos cursos de Direito em Olinda (PE) e São Paulo (SP).
O primeiro trote brasileiro, que ocorreu em Olinda, acabou em morte. Desde então, a prática foi proibida por diversas legislações, mas sempre tolerada pelas instituições. Bem mais tarde, em 1993, um estudante de Engenharia da UNESP de Guaratinguetá foi espancado pelos veteranos e obrigado a amarrar um peso de 7 kg nos testículos. O jovem abandonou o curso.
Na Faculdade de Medicina da USP, em 1999, um calouro de origem chinesa morreu afogado na piscina da Atlética da instituição, durante uma festa de integração em que, segundo relatos de outros novatos, os veteranos obrigaram os novos estudantes a ingerir cachaça.
Em 2006, na Universidade Federal de Uberlândia (MG), um calouro de Agronomia foi despido e pintado pelos veteranos, que, não contentes com a humilhação, decidiram prendê-lo a um formigueiro. No hospital, foram retirados 250 ferrões de formigas do estudante. A universidade expulsou dois alunos.
Além destes e de muitos outros casos abusivos, o excesso de bebida alcoólica, via de regra acompanhado pela raspagem dos cabelos, a pintura do rosto e aulas inaugurais falsas, é comum em praticamente todos os institutos de educação superior do Brasil.
Algumas faculdades, no entanto, já estabeleceram novas práticas, organizando festas, apresentações de vídeos, cartilhas e passeios para que os calouros possam se orientar no campus. São práticas ainda isoladas, mas saudáveis e talvez, com a colaboração das autoridades universitárias – reitores, diretores e chefes de departamento – possam se espalhar pelo país, substituindo as práticas violentas e degradantes do trote.