O Dia das Bruxas não é uma simples assimilação de uma festa estrangeira para as escolas e baladas brasileiras. Sua origem remonta aos celtas, grupo de povos que começou a ocupar o oeste europeu a partir do segundo milênio antes da Era Cristã. A maioria destes grupos perdeu sua identidade com o avanço do Império Romano e, posteriormente, da Igreja Católica.
No entanto, muitos elementos da cultura celta – uma mescla de costumes gauleses, bretões e batavos, entre outros – permaneceram vivos em grande parte deste território. O Dia das Bruxas é um destes elementos. Com a colonização da América, eles foram trazidos para o Novo Continente.
O Halloween é um dos mais importantes festivais celtas. Ele era organizado para agradecer aos deuses pelas boas colheitas ou, ao menos, para propiciar que eles fossem mais generosos no ano seguinte. Estes povos acreditavam que parentes falecidos podiam romper a barreira entre vivos e mortos no dia 31 de Outubro, e poderiam provocar doenças e danos se não fossem bem recebidos.
As origens para o dia das bruxas
Ao menos desde o século IV a.C. – período da primeira descrição dos hábitos celtas – os vivos que tinham questões não resolvidas com algum morto procuravam se disfarçar, para evitar encontros desagradáveis. Esta é a origem de um dos pontos fortes da festa: o uso de máscaras e fantasias.
Outro ponto forte – o acendimento de fogueiras e velas (inclusive em abóboras ocas), porém, pode ter uma origem bem mais macabra: no século XVIII, houve uma grande estiagem e fome na atual Grã-Bretanha, que se estendeu por quase 80 anos. Em consequência, surgiu um enorme fluxo migratório em direção à América do Norte. Calcula-se que um milhão de escoceses e irlandeses tenham deixado sua terra natal neste período.
Na bagagem, os migrantes (de maioria católica) trouxeram o Halloween. Na América, começaram as indisposições com os puritanos, protestantes ingleses que haviam migrado no século XVI, em busca de liberdade religiosa. Os atritos religiosos acabaram gerando muitas mortes na fogueira, para garantir a “integridade dos ideais cristãos”.
Outra versão da origem do dia das bruxas
Para alguns historiadores, o motivo do disfarce e das fogueiras era bem mais sério: todos os mortos no último ano tinham permissão dos deuses para vir à superfície tentar escolher um corpo, voltando, desta forma, à comunidade dos vivos. Naturalmente, o dono do corpo escolhido passava imediatamente para a categoria dos mortos.
Para impedir este ataque, os habitantes de aldeias e vilarejos apagavam os fogões e lareiras de suas cabanas, para torná-las frias, pouco atraentes para o retorno à vida. Em seguida, vestiam-se com roupas esfarrapadas e fantasmagóricas, provocavam o maior volume possível de danos, visando assustar e afastar as almas errantes. As fogueiras a céu aberto eram acesas para ajudar o Sol durante o inverno.
Travessuras ou gostosuras
Os celtas acreditavam que os mortos tinham as mesmas necessidades materiais dos vivos e, por isto, sempre mantinham um prato de comida para que um parente ou amigo pudesse se saciar. Sem saber o destino dos mortos domésticos, a refeição era colocada junto à soleira da porta, para que espíritos malignos não invadissem a casa.
A Idade Média europeia, no entanto, foi um período de muita fome e de muita perseguição. Muitos nobres, inclusive, perderam suas regalias e foram obrigados a viver nos bosques; um prato de comida ao alcance de alguns passos era uma grande tentação para os pobres e ricos arruinados.
Na Irlanda, os mendigos deixaram apenas de roubar o alimento. Eles batiam nas portas das casas e ofereciam orações pelos mortos em troca de uma recompensa. Com o tempo, foram organizadas “procissões de preces”, que não apenas pediam, mas ameaçavam com doenças e colheitas ruins aos que se recusassem. Os supersticiosos camponeses europeus se apressavam em oferecer refeições e bebidas para os chantagistas.
Dia das Bruxas?
Na verdade, a expressão “Dia das Bruxas” não traduz corretamente o termo “Halloween”, uma corruptela de “All Hallows Eve”, ou véspera do Dia de Todos os Santos, comemorado em 1º de Novembro por boa parte dos cristãos (“todos os santos” são todas as almas que atingiram o Paraíso, mesmo que tenham passado a vida no anonimato, isto é, sem que tenham sido reconhecidas e canonizadas na Terra pelas autoridades eclesiásticas; o dia seguinte, “de Finados”, é relativo às almas que se demoram no Purgatório, para católicos e ortodoxos).
Não se sabe quem absorveu a tradição – se os celtas imitaram os católicos ou vice-versa. Mas é certo que os missionários cristãos, ao chegar noroeste europeu, adaptaram várias crenças dos gauleses, gaélicos, normandos, etc. Igrejas foram construídas sobre santuários celtas e muitos carvalhos – consideradas árvores sagradas – continuaram a ser plantados nos locais de culto.
Do medo à diversão
O espírito humano tornou-se progressivamente mais racional e as comunidades lentamente deixaram de acreditar em crendices e superstições. Isto ocorreu com diversas festividades. O “Carne Vale” tem este nome porque é o último dia antes do jejum de carne da Quaresma (período em que os católicos meditam sobre o sacrifício de Jesus).
Atualmente, o número de fiéis que observa o jejum durante a Quaresma é bastante limitado e o Carne Vale se transformou em Carnaval, uma das maiores festas populares do mundo, quase sempre dissociado de qualquer contexto religioso. Muitas crenças, mesmo legítimas, tiveram que se render às evidências científicas.
O Dia das Bruxas, nos EUA, é a terceira festa mais comemorada do ano (só perde para o Dia de Ação de Graças e o Natal). O medo ficou limitado aos filmes de terror (como os da série “Halloween”). Nas cidades menores, crianças saem sozinhas às ruas, pedindo “travessuras ou gostosuras”.
No Brasil, ainda é um modismo, mas, já que o medo desapareceu da data, por que não comemorar. Brasileiros fazem festa pela festa: o motivo é apenas um pretexto. Grupos e políticos e religiosos têm direito, naturalmente, de se abster das comemorações.
O dia do Saci
Há alguns anos, houve uma discussão no Congresso Nacional, sobre a adequação de comemorar uma festa americana, distante de nossas tradições culturais. O Dia das Bruxas foi introduzido no Brasil nos anos 1980, inicialmente pelos cursos de idiomas. Esta é a origem em nosso país.
A discussão dos nossos parlamentares culminou na aprovação, em 2003, do Dia do Saci, também comemorado em 31 de Outubro. O objetivo declarado era resgatar o folclore nacional e fortalecer os vínculos com nossos mitos e lendas. Nada contra o Saci (nem contra a Iara, Boitatá, Curupira, etc.). O problema é que tradições não se estabelecem por decreto.
Basta observar centros populares de compras, como a Rua 25 de Março em São Paulo, e a Saara, no Rio de Janeiro: passado o Dia das Crianças, as vitrines das lojas ficam lotadas de fantasias e adereços “horripilantes”, mas praticamente não são vistas referências aos personagens das histórias e lendas brasileiras.
Por enquanto, o Dia do Saci é um tremendo fracasso. Aliás, o mês dedicado ao folclore nacional é agosto (especificamente, 22 de Agosto, Dia do Folclore Nacional). O mero estabelecimento de datas não é suficiente para criar novos hábitos.
Nosso folclore pode – e deve – ser apresentado para nossas crianças e jovens, inclusive com festas e comemorações. Esta é uma pauta importante para as autoridades e profissionais de educação e cultura. Isto não impede, no entanto, que possamos absorver as festas de outras culturas. O carnaval, por exemplo, faz parte do calendário católico e nasceu nos elegantes e frios salões de festas europeus.