Quando alguém se apresenta em público e não agrada, geralmente um artista, atleta ou político, a reação é imediata: a vaia. Provavelmente, ela tem sua origem na Grécia antiga. Em cerca de 1000 a.C., era costume vaiar ou aplaudir as execuções de criminosos e traidores do Estado, para demonstrar aprovação ou não à condenação (na Idade Média europeia, todas as execuções, especialmente na fogueira, eram acompanhadas por vaias, pouco importando se, até o dia anterior, o supliciado tivesse sido considerado um herói).
Durante as apresentações esportivas, as vaias também estavam presentes, “premiando” o mau desempenho dos atletas. Durante os Jogos Olímpicos, que tiveram início em 776 a.C. Anos depois, uma mulher entrou nos jogos, para acompanhar a luta de seu filho. A presença de mulheres nos jogos era proibida, até porque os participantes competiam nus.
A mulher travestiu-se e acompanhou de perto. Tão de perto que, ao comemorar, não percebeu que seu traje ficou preso a um banco. Flagrada, foi condenada à morte, sem apelação. Mas, como pertencia a uma família nobre, foi poupada, apesar das vaias dos habitantes de Olímpia. Parece que o “jeitinho brasileiro” não é tão brasileiro assim.
Posteriormente, especificamente em Atenas, berço da democracia ocidental, as vaias acompanhavam as manifestações políticas. As grandes decisões políticas e bélicas da cidade eram realizadas na ágora, a praça principal da cidade, em que os cidadãos se reuniam para se posicionar sobre questões de Estado. Por cidadãos, entendam-se apenas os descendentes das famílias tradicionais: estavam excluídos escravos, mulheres, menores de 25 anos e estrangeiros, a grande maioria da população.
As decisões não eram tomadas por votação: os cidadãos manifestavam-se por gritos, vaias – já com o famoso “boa” expresso com as mãos em concha próximas à boca, para aumentar o barulho –, palmas e assobios. No século VI a.C., quando Clístenes propôs as primeiras reformas administrativas, foi recebido com vaias ensurdecedoras, mas, quando eliminou o critério de renda para participar das decisões e proporcionou o acesso a diversos cargos públicos por sorteio, logo viu os apupos – outro nome das vaias – rapidamente se transformarem em aplausos.
Com a organização dos primeiros teatros – que se espalharam por todas as cidades Estado gregas –, as vaias e aplausos logo se repetiram nas apresentações de dramas, tragédias e comédias. A reação da audiência era tão importante que alguns dramaturgos e atores se auto-exilaram, ao fracassar em suas exibições. Com a acústica das arenas teatrais, devia ser praticamente impossível permanecer no ambiente quando as manifestações começavam.
Em Roma, as vaias eram comuns desde a República. As reuniões do Senado eram barulhentas e mais de um tribuno perdeu suas atribuições por causa de ideias infelizes ou pela oratória frágil. Já no império, as execuções e lutas de gladiadores eram acompanhadas de manifestações que fariam a torcida do Boca Juniors (time argentino de futebol) sentir-se envergonhada. No momento da decisão, em que o público determinava se o lutador derrotado devia viver ou não, o dedo polegar voltado para baixo (que indicava a morte do infeliz) era sempre acompanhado por sonoras vaias.
Uma curiosidade: a expressão “quem tem boca vai a Roma”, significando que qualquer pessoa que saiba se expressar consegue chegar em qualquer lugar, nasceu originalmente como “quem tem boca vaia Roma”: donos do mundo, os romanos não eram muito populares nas colônias que pagavam tributos extorsivos simplesmente para continuar existindo.
Vaias que mudaram o rumo da arte brasileira
Em fevereiro de 1922, um grupo de jovens artistas brasileiros organizou uma semana de apresentações de dança, poesia, música e artes plásticas, além da realização de conferências e discursos. Entre os participantes, estavam Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Menotti del Picchia, Anita Malfatti e outros.
Foram três apresentações, todas cercadas de vaias da alta burguesia paulista – afinal, as apresentações foram realizadas no então elitista Teatro Municipal, no elegante centro da cidade.
Muitos estudiosos, no entanto, acreditam que era este o objetivo da “Semana de Arte Moderna”: protestar contra o academicismo da arte brasileira, sempre fiel aos padrões estéticos europeus. A semana foi um marco no rompimento com as escolas artísticas da Europa e o início de uma “cara brasileira” para as manifestações do sentimento e pensamento nacional: as vaias marcaram o início do Modernismo brasileiro.