Ela nasceu na Europa Oriental, provavelmente entre os séculos XI e XIV, quase certamente na Rússia, mas países como Japão, China e Polônia também reclamam a paternidade da vodca. A bebida é obtida a partir da destilação do arroz nos países do Extremo Oriente. As bebidas mais comuns no Ocidente são destilados de batatas, figos, ervas e cereais como cevada, milho, trigo e centeio. Como se vê, o nome é utilizado para bebidas bastante diferentes.
Supõe-se que o nome da bebida, que pode ser traduzido também como “aguinha”, esteja relacionado à importância que os russos atribuem a seus rios e lagos cristalinos, que precisam ser bem cuidados durante o verão, já que muitos ficam congelados nos meses frios. A origem pode ser a mesma de “aquavita”, bebida bastante consumida nos países escandinavos.
A vodca surgiu em função da necessidade de ingestão de uma bebida fortemente alcoólica, especialmente durante o inverno (mas os russos a consomem durante o ano todo). Na Antiguidade e início da Idade Média, outra bebida fazia sucesso entre os europeus: o hidromel. Com a extração abusiva da matéria prima – o mel – os povos do norte encontraram a solução na destilação de cereais, já utilizados na produção da cerveja, bem mais leve.
A bebida, no entanto, só se popularizou entre as camadas mais pobres da população em 1533, quando Ivã IV (ou Ivã, o Terrível, primeiro czar da Rússia – o termo é derivado do “césar” romano) inaugurou a primeira taverna real, em Moscou, para distribuição de vodca aos habitantes de Moscou.
Rapidamente, a vodca pode ter sido adotada por países vizinhos da Rússia, como a Polônia e a Finlândia. Na década de 1970, no entanto, a União Soviética quase perdeu o direito de usar o termo “vodca” em seus produtos: um decreto russo de 1923 garantia o emprego da palavra, mas havia leis de outros países mais antigas sobre o assunto – portanto, estas nações detinham direitos comerciais e tinham precedência para a utilização do termo. Esta é apenas uma das polêmicas que envolvem a história da vodca.
O decreto de 1923, no entanto, apenas permitia novamente a fabricação da bebida, proibida formalmente em 1914 – no início da Primeira Guerra Mundial –, por Nicolau II, o último czar da Rússia (juntamente com qualquer tipo de bebida alcoólica); o veto foi tomado inicialmente depois da Revolução Russa, já sob o comando de Joseph Stálin. A lei seca do czar antecipou os resultados da mesma iniciativa tomada pelos EUA em 1919: produção clandestina, corrupção, extorsão e aumento da inflação.
A vodca do imperador
A família russa Smirnoff detinha o privilégio de fornecer vodca para o czar, sua família, generais e a corte russa. Em 1894, os soberanos passaram a deter o monopólio da produção. Mesmo assim, a vodca continuou a ser distribuída em cotas diárias para os pobres, soldados e até mesmo para os professores das poucas escolas já instaladas no país.
Nesta época, a receita da bebida era um segredo de polichinelo, já que a proporção de álcool e água para a produção havia sido definida pelo químico Dmitri Mendeleiv, o mesmo que organizou os elementos químicos na primeira tabela periódica, no final do século XIX, época em que as descobertas científicas já eram compartilhadas e debatidas pela comunidade acadêmica de muitos países da Europa.
A proporção ficou assim definida: investigando o volume e a densidade ideais para o destilado: 60% de água e 40% de álcool, uma regra seguida à risca pelas indústrias de bebidas europeias até hoje: boa parte continua usando esta regra, que confere a cremosidade ideal para a vodca.
Em 1917, no entanto, a Rússia viveu duas revoluções: em fevereiro, a Revolução Branca derrubou a casa real e instaurou um governo provisório. Alguns meses depois, em outubro, os bolcheviques depuseram o governo social-democrata e começaram a implantar o regime comunista.
Boa parte da nobreza, representantes do clero ortodoxo russo, intelectuais, cientistas, artistas e foram perseguidos; muitos fugiram do país e a receita da vodca definitivamente se espalhou pela Europa e, daí, pelo mundo. a família Smirnoff radicou-se na Inglaterra, onde fundou uma indústria de bebidas conhecida internacionalmente.
A vodca e as guerras
Uma história bastante conhecida – mas sem comprovação história – diz respeito à derrota do exército francês pelo “General Inverno”. Em 1812, as tropas deram início ao cerca da capital russa, mas o frio era congelante (por um erro de estratégia, os generais da França decidiram-se por um ataque à cidade em pleno estepe da Rússia).
O comandante e historiador francês Phillippe de Ségur, que participou do enfrentamento bélico, narra, em seu livro “História de Napoleão e da Grande Armada”, que os soldados de Napoleão estavam adoecendo e morrendo pelo abuso no consumo da vodca. Enfraquecidos pelo frio, a fome e o cansaço, os militares acreditavam que a bebida podia restaurar as suas energias, mas o calor intensivo provocado pela ingestão da bebida apenas apressava as muitas baixas.
Napoleão foi derrotado, teve de recuar e aí começou o seu declínio. Mas, na bagagem, mesmo com a derrota (que o imperador considerava vergonhosa e inaceitável), os soldados levaram na bagagem a receita da vodca. Na França, a bebida é fabricada principalmente com a adição de conhaque e de algumas variedades de trigo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a vodca também teve participação decisiva. No inverno de 1943, os soviéticos decidiram retomar Stalingrado (atual Volvogrado), ocupada pelos alemães dois anos antes, durante a Operação Barbarossa (o objetivo da campanha, lançada apenas dois anos depois da assinatura de um pacto de não agressão entre os dois países, era tomar toda a parte europeia da União Soviética, até os montes Urais e o mar de Aral).
Os alemães não conseguiram o objetivo, mas ocuparam regiões importantes. Neste ano da retomada dos ataques, os generais russos informaram a Stálin que não havia anticongelantes suficientes para impedir que a água dos radiadores de jipes e tanques se congelasse e, por isto, decidiram passar a empregar a vodca (já usada como antisséptico para a limpeza de armas e feridas), uma bebida extremamente quente, com teor alcoólico de até 60% (fora do padrão oficial, mas facilmente encontrável, inclusive em depósitos de bebidas brasileiros).
Para suprir a demanda dos carros de guerra, o ditador russo decidiu cancelar a distribuição diária da bebida (até então fixada em 100 mililitros por dia, quantidade equivalente a quase 10% da ingestão de calorias recomendadas para um adulto de 1,70m), mas criou uma “promoção”: para os soldados de pouco destaque na frente de batalha, a vodca era distribuída apenas em nove dias festivos por ano. Os militares mais valorosos, no entanto, recebiam 200 mililitros diários. A estratégia serviu como motivação: O Exército Vermelho avançou rapidamente e, em maio de 1945, os russos expulsaram os nazistas do seu território.