Entre casas de jogos de azar, bordéis, agiotagem, contrabando, extorsão, tráfico e vendas de drogas, calcula-se que a Yakuza – também chamada de Gokudô ou Boryokudan – movimente US$ 47 bilhões por ano. O dinheiro é lavado através de bancos, empresas de construções e muitas outras do Japão, a terceira economia do mundo, com um Produto Interno Bruto de US$ 6,12 trilhões (em 2013, o PIB brasileiro – sexta economia mundial – foi de R$ 4,84 trilhões, menos da metade).
O termo “Yakuza” significa 8-9-3, a pior mão que se pode receber em um jogo de cartas japonês bastante popular. A soma da mão é 20, que não conta pontos para o apostador. Mas a palavra é rejeitada tanto pela polícia japonesa, como pelas próprias famílias. As autoridades de segurança pública e a imprensa tratam a máfia como Boryokudan (grupo de violência). Os criminosos, no entanto, preferem a expressão Ninkyo Dantai (organização cavalheiresca).
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As origens da Yakuza
Durante a Era Tokugawa (1603-1688), o Japão conheceu um raro período de paz e tranquilidade: depois de séculos de guerras civis, o país finalmente foi unificado pelo xogum Ieyasu Tokugawa. A prosperidade beneficiou especialmente as grandes cidades da época, o que determinou também o aumento da delinquência.
Com a paz e a ordem social estabelecidas, ocorreu a desnecessidade dos serviços dos samurais. Alguns destes soldados associaram-se a apostadores e ambulantes, dando assim início à Yakuza, que hoje reúne mais de 100 mil componentes, comandados basicamente por três famílias: Yamaguchi, Inagawa e Sumiyoshi.
Os grupos da Yakuza contam uma origem diferente para as suas atividades. De acordo com os líderes, a organização descende de pessoas honradas, que se uniram no século XVII para roubar dos ricos para dar aos pobres (à la Robin Hood), numa época em que o florescimento das cidades provocou o empobrecimento de muitos camponeses.
Todos concordam, no entanto, com a presença de samurais na origem da Yakuza. Os criminosos, porém, fazem uma diferenciação: os guerreiros não ficaram desempregados por causa da paz interna – afinal, ainda havia muitos inimigos fora das ilhas japonesas –, mas perderam seus mestres, desvalorizados pelos xoguns daquele século.
Alguns estudiosos afirmam que a gênese da Yakuza está nos kabuki-mono (os loucos), gangstêres que portavam longas espadas e apavoravam as populações das aldeias (às vezes, executavam todos os habitantes sem nenhuma razão aparente).
Provavelmente, todos estão certos: a Yakuza nasceu da associação de guerreiros sem hierarquia militar, salteadores de estradas e “loucos”. Em comum, estes grupos tão diferentes tinham a marginalidade e a extrema pobreza. A liderança coube aos samurais sem emprego, os mais organizados, que passaram a coordenar as atividades criminosas.
No final do século XIX, a Yakuza se associou a grupos políticos que defendiam o militarismo e o nacionalismo, fato que contribuiu para a geração de diversas guerras no Extremo Oriente: o país ocupou grandes territórios na China e Indochina. As gangues obtiveram maior influência e os líderes políticos aproveitaram para eliminar adversários. No período entre as duas grandes guerras, o poder desta máfia só aumentou, fenômeno ainda mais intenso na segunda década do século XX, derivado do crescimento exponencial do Japão.
A estrutura da Yakuza
A Yakuza não é uma organização única, com um poder centralizado, mas um conjunto de grupos delinquentes que fazem acordos (nem sempre respeitados) para controle de certos negócios e de áreas determinadas para extorsão e exploração da prostituição. Conflitos para aumentar o poder e a influência, parecidos com os observados na máfia dos EUA, são bastante comuns – e muito intensos.
As famílias da Yakuza se organizam de forma semelhante às americanas: um patriarca (kumicho) domina o clã de maneira bastante autoritária, auxiliado por líderes e subchefes, que formam uma estrutura rígida e vertical. Assistentes e conselheiros regionais formam a camada intermediária e muitos capangas ocupam a base da pirâmide.
Marcas no corpo
Os membros da Yakuza podem ser identificados pelo grande número de tatuagens: são dragões, tigres, flores, paisagens e os brasões das famílias que marcam o peito, costas, braços e pernas. A tradição, já secular, teve início quando os componentes do grupo passaram a tatuar anéis negros para cada novo crime cometido.
Pode parecer estranho que pessoas do submundo se apresentem no dia a dia com uma aparência tão chamativa, mas, ao contrário de outras máfias do planeta (como a brasileira, a russa, a mexicana e a americana), os componentes da Yakuza não escondem as suas atividades: ao contrário, fazem questão de alardear que fazem parte da organização criminosa.
Além das muitas tatuagens, os criminosos podem ser identificados nas ruas japonesas pelos ternos espalhafatosos e os óculos escuros em qualquer horário do dia. Os estabelecimentos mantidos pela Yakuza também ostentam o brasão da família e o nome do grupo em suas fachadas.
A sociedade japonesa chega a respeitar e reverenciar a Yakuza, fato já apresentado em muitos filmes e romances do país, e isto permite que seus membros circulem livremente pelas ruas. É um fenômeno bastante semelhante ao observado entre as populações pobres e os traficantes de drogas em muitas regiões do Brasil, como os morros do Rio de Janeiro e as periferias de São Paulo, em que os criminosos chegam a montar uma rede de proteção social para os habitantes carentes (certamente, com algumas “contrapartidas”).
Efetivamente, a Yakuza possui um caráter “humanitário”. Durante as tragédias que abalaram o Japão nas últimas décadas, tais como tufões, maremotos e terremotos, a organização sempre comparece com caminhões de água, mantimentos, agasalhos e acessórios sanitários, para ajudar as populações das áreas atingidas pelas catástrofes.
Os negócios da Yakuza
Até o final da Segunda Guerra Mundial, a principal fonte de renda da Yakuza era o pagamento pela proteção oferecida a estabelecimentos comerciais e de entretenimento – na verdade, uma extorsão obtida através do terror.
Atualmente, a organização, para legitimar o dinheiro obtido criminosamente, controla grandes empresas do Japão, entre bancos e instituições imobiliárias. A corrupção também está presente na administração pública e no jogo político, com o apoio a determinados candidatos.
Existem evidências de que a Yakuza está envolvida em atividades internacionais, coordenando boa parte do tráfico de armas e de mulheres no Oriente. A organização estabeleceu bases no Havaí, para controlar o tráfico de anfetaminas para os EUA, onde domina as vendas nas grandes cidades, como Los Angeles e Nova York. Aparentemente, o Havaí é também o ponto de intersecção para o tráfico de armas americanas para o Japão.
Estranhos rituais
Com tantas transações lícitas e ilícitas, é natural que alguns erros sejam cometidos no dia a dia “empresarial” da Yakuza. Uma forma de pedir desculpas por pequenas falhas é o corte da última falange do dedo mínimo, ritual que teve início na maneira medieval de segurar a espada, em que o dedo tocava o fio da arma; em caso de acidentes com amputação do dedo, o guerreiro fica menos hábil no manejo e, assim, mais dependente da proteção do grupo.
Pequenas faltas podem ser perdoadas, mas alguns erros graves são fatais. Quando um membro provoca uma grande perda financeira ou o desmantelamento do grupo de arrecadação em determinada cidade, por exemplo, ele precisa morrer. A forma é terrível: o seppuku, mais conhecido no Ocidente por haraquiri. Trata-se do suicídio por desventramento. O condenado abre seu próprio abdômen com uma espada ritual. A tradição teve início entre os samurais que falhavam em batalhas.