Magra – manequim 36 –, longilínea, sexy, atraente. O atual padrão de beleza é o sonho (e, às vezes, o pesadelo) da maioria das mulheres jovens do Ocidente. Gisele Bündchen desfila soberana nas passarelas. Mas nem sempre foi assim. Assim como a moda, o conceito de beleza também muda, ainda que com menos frequência. É uma transformação que ocorre através dos séculos.
Um item que parece eterno é a harmonia e simetria, talvez por sugerir ausência de defeitos congênitos ou adquiridos. O filósofo grego Pitágoras encontrou uma conexão entre a matemática e a beleza. Para Platão, a beleza era a ideia, acima de todas as coisas. Aristóteles a relacionou à virtude, afirmando que “a virtude visa à beleza”.
Para os gregos, porém, a beleza se associava a “estar em seu momento”. Ao contrário de um fruto verde (em desenvolvimento), belas eram as bagas que pendiam dos galhos. De acordo com este conceito, uma jovem que quer aparentar mais idade – e vice-versa – nunca poderá se configurar como um exemplo real de beleza.
Na Pré-História
Os primeiros grupamentos humanos teriam tido organização matriarcal, ou seja, foram liderados pelas mulheres, especialmente pelas mães.
Esculturas femininas foram encontradas em diversas escavações arqueológicas. Para alguns estudiosos, elas são representações da deusa mãe. Outros afirmam que as estatuetas estão relacionadas à maternidade.
O exemplo mais conhecido é o da Vênus de Willendorf, desenterrada em 1908. Em 1990, estudos estimaram que ela foi esculpida entre 22 mil e 20 mil anos atrás. Talvez seja um símbolo de segurança, bem-estar, prosperidade e proteção.
O pequeno objeto de calcário revela vulva, seios e coxas bastante pronunciados, muito além das curvas voluptuosas adotadas milênios mais tarde. Na verdade, esta Vênus, atualmente, poderia ser utilizada como exemplo de obesidade mórbida.
A explicação parece simples. Na época, uma mulher que exibisse coxas grossas e mamas fartas sinalizava para os homens que poderia parir e nutrir muitos filhos, ao contrário de uma jovem de quadril estreito e seios diminutos. Desta forma, ela conseguiria selecionar seu parceiro entre os melhores guerreiros e caçadores da tribo.
Mais harmonia
As belas artes se desenvolveram e, na Antiguidade, encontram-se exemplos bem mais harmônicos de beleza. As curvas, no entanto, continuam presentes: grandes seios e quadril largo são característicos tanto da Vênus de Milo, esculpida no século II a.C., e a mesma deusa retratada em “O Nascimento de Vênus”, pintura do florentino renascentista Sandro Botticelli, provavelmente em 1483.
A Antiguidade viu florescer o culto ao corpo. Os gregos, homens e mulheres, se esforçaram com diversos exercícios: corridas, lançamento de discos, dardos e lutas, saltos, etc. Um exemplo de beleza da época é a escultura “O Discóbolo”, atribuída a Míron, que teria sido esculpida em 455 a.C. Os romanos limitavam a ginástica ao preparo atlético dos guerreiros, mas os jovens patrícios participavam regularmente de corridas de bigas. No século I, o poeta Juvenal criou uma frase popular até hoje: “mens sana in corpore sano” (mente sã em corpo são).
Vale lembrar que Vênus (ou Afrodite, entre os gregos) é a deusa da beleza, do amor e da sexualidade. Sua representação, portanto, tinha que se aproximar o máximo possível do padrão ideal de beleza. E talvez tenha sido justamente a beleza do quadro de Botticelli que o salvou das fogueiras da censura, numa época em que a produção artística se inspirava basicamente em temas religiosos.
Cuidando da alma
Na Idade Média, no entanto, houve uma forte repressão aos cuidados com o corpo; qualquer preocupação estética era entendida como uma afronta às leis divinas e à busca da salvação. A beleza passou a ocupar segundo plano – a arte representativa desta tradição mais esconde do que mostra os corpos e, nela, os rostos parecem infantilizados.
A influência religiosa, no entanto, não atingiu todo o continente. Em alguns locais, o culto à beleza e à sensualidade continuou firme e forte.
Mais renascimento
Deve ter sido difícil para mulheres e homens acompanharem o padrão de beleza retomado com o Renascimento (do fim do século XVI ao início do século XVII). O nome com que o movimento artístico e cultural foi batizado é uma referencia à retomada dos padrões estéticos da Antiguidade clássica, especialmente de Grécia e Roma.
Cabelos claros, pele alva, pescoço alongado, ombros e peitos fortes, são características inclusive das obras de arte sacra, que retrata personagens bíblicas, cujos dramas e esperanças tiveram como pano de fundo as ensolaradas paisagens da Galileia e Judeia, bem desfavoráveis a esta descrição. Em uma época na qual os exercícios físicos não eram muito populares, a inspiração para os homens eram os musculosos deuses e heróis mitológicos.
Estas tendências atingiram o auge com o Maneirismo, no século XV, já na Idade Moderna. A Itália foi o principal centro deste movimento, que se espalhou também por França e Espanha. Na época, porém, o eixo econômico da Europa se deslocou para o oeste, com o enriquecimento especialmente de Portugal e Espanha e as primeiras análises do Maneirismo o consideram um exemplo de arte decadente, distante dos padrões de equilíbrio, harmonia e moderação. Portanto, bem longe dos ideais de beleza.
Silhueta violão
As curvas continuaram ditando o padrão de beleza no século XIX, mas entraram em cena – ou, ao menos, se tornaram mais populares – dois instrumentos poderosos: o sutiã e o espartilho. As mulheres ganharam a silhueta violão, famosa nos primeiros concursos de misses do século XX, quando as medidas ideais eram 90 cm de busto, 60 cm de cintura, 90 cm de quadril.
A austera Era Vitoriana, no entanto, que ditou regras para boa parte do mundo, mais uma vez escondeu os corpos. Os generosos decotes da Idade Moderna deram lugar a vestidos fechados do pescoço aos pés. Para os homens, paletós compridos e calças excessivamente largas impediam a visualização (ou a imaginação) de qualquer característica física.
Crise e fome
No final do século, porém, a Europa se dividiu em países modernos e arcaicos. A Revolução Industrial enriqueceu países como Inglaterra e França, por exemplo, mas deixou à margem Irlanda, Itália e Alemanha.
Houve um empobrecimento de grandes contingentes e levas de migrantes se dirigiram para a América em busca de novas oportunidades. A silhueta passou por uma verdadeira revolução: as cheinhas abriram espaço para as mulheres magras, no melhor estilo “tábua”: nada de frente, nada de costas.
No século XX, o período entre guerras e a crise internacional dos anos 1930 também contribuíram para o emagrecimento. Com o final dos conflitos, no entanto, as curvas voltaram com força: nas telas do cinema, atrizes como Marilyn Monroe esbanjavam charme e sedução, em um processo claro de forte erotização feminina.
A francesa Brigitte Bardot e as italianas Sophia Loren e Gina Lollobrigida mantiveram a tradição nos anos 1960. A partir da década de 1980, com a explosão das academias de ginástica, a geração saúde inverteu novamente os polos e a magreza progressivamente voltou a ser sinônimo de beleza.
Para refletir
Na virada de mais um século, surgiu um padrão de beleza que parece querer traduzir determinação e coragem. Um exemplo é a personagem Lara Croft, do filme “Tomb Raider”, vivida nas telonas por Angelina Jolie, com seus lábios fartos e sensuais.
No entanto, é preciso pensar um pouco: este é o tio de beleza feminina que vemos nas ruas das cidades brasileiras? Nem Jolie, nem a magérrima modelo Twiggy (dos anos 1970) parecem ser pessoas reais. É necessário democratizar a beleza, que pode se revelar em pessoas altas e baixas, magras e gordas.
Desde que a saúde seja preservada, cada um deve respeitar o seu biotipo: uma coisa é o padrão de beleza, que muda através dos séculos. Outra é perseguir modismos, que mudam com o vento. Um exemplo é o tipo de cabelo: depois de muitos alisamentos e chapinhas, os cachos voltaram com tudo. O ideal é procurar a beleza na própria fisionomia, no próprio corpo.