A história da Amazônia já começou envolta em segredos, lendas e mitos. Francisco de Orellana (explorador espanhol que também participou da conquista do Peru, centro do Império Inca) foi o primeiro europeu a descer todo o curso do maior rio do mundo, em uma expedição entre 1541 e 1542. No trajeto, os espanhóis travaram uma forte batalha com os lendários índios icamiabas, que teriam saído vitoriosos.
Para “dourar a pílula” e justificar a derrota, que provocou muitas baixas, os aventureiros – que estavam à procura de ouro – mandaram informar ao rei Carlos V que foram atacadas por fortes guerreiras. Orellana as descreveu como mulheres altas, que andavam nuas, viviam em casas de pedra, acumulavam muitos metais preciosos e manejavam muito bem o acordo e flecha.
O monarca, inspirado na mitologia grega, decidiu batizar o curso d’água, até então conhecido como mar Dulce ou rio de Canela (em função das muitas caneleiras às suas margens), como rio das Amazonas – o nome das guerreiras que saqueavam a Ásia Menor e só foram derrotadas pelo herói Hércules.
Nó da madeira
Esta é uma das lendas mais antigas da Amazônia – a floresta que envolve o rio e seus afluentes. Ribeirinhos, especialmente os que habitam as margens do rio Nhamundá, contam diversas histórias sobre estas guerreiras. Entre elas, a do muiraquitã (em tupi, nó da madeira), talismã feito de jade ou madeira utilizado para estimular a fidelidade conjugal. O próprio objeto simboliza o ato sexual consumado.
Na festa de Jaci (a deusa da Lua, protetora dos amantes e das gestações), as índias icamiabas presenteavam homens da tribo mais próxima, com quem mantinham relações sexuais regularmente, para manter a população estável (criavam apenas meninas: os garotos eram mortos logo depois do nascimento). É improvável que elas tenham existido, mas talvez sejam um dos segredos da Amazônia, oculto na densa floresta.
As características da floresta
A Amazônia começou a surgir entre 55 e 36 milhões de anos atrás, quando as águas do oceano Atlântico refluíram a criaram condições para o surgimento de uma extensa planície, com características que se modificaram de acordo com as alterações climáticas. No período máximo de expansão, a floresta chegou ao centro-sul da Argentina.
Lentamente, a Amazônia começou a mostrar seus segredos para os cientistas. Um dos fatos descobertos pelos arqueólogos atesta que a vasta região é habitada por humanos há pelo menos 12.500 anos. Sempre se acreditou que a área nunca conheceu grande densidade demográfica, já que o solo é pobre para a agricultura em larga escala e beneficia especialmente a caça, pesca e coleta.
Atualmente, no entanto, sabe-se que provavelmente a Amazônia abrigava cinco milhões de habitantes no início do século XVI, principalmente nas margens de rios e na ilha do Marajó. Nesta época, espanhóis e portugueses chegaram à América. Em 1900, em função da migração e da destruição de populações indígenas, o número caiu para um milhão e, no início dos anos 1980, havia menos de 200 mil moradores fixos.
A Amazônia se espalha por oito países. A maior parte de sua extensão está no Brasil (60% da floresta), Peru (13%) e pequenos trechos da Bolívia, Colômbia, Venezuela, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. A grande floresta é equivalente a mais da metade das florestas tropicais úmidas remanescentes no globo.
É considerada uma das sete maravilhas da natureza e uma área de seis milhões de hectares localizada no centro desta bacia hidrográfica, que inclui o Parque Nacional do Jaú, foi considerada Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.
Um quinto da água potável do planeta (própria para consumo animal e humano) está na Amazônia e, apesar dos imensos rios que cortam a região, boa parte deste suprimento vital encontra-se em depósitos subterrâneos; quase metade de nossos aquíferos (45%) está oculta sob a floresta.
A biodiversidade
Uma em cada dez espécies já catalogadas vive na Amazônia. É a maior reunião de animais e plantas da Terra. São 2,5 milhões de espécies de insetos, mais de 40 mil de plantas, três mil de peixes, 1.300 de aves, 450 de mamíferos, 400 de anfíbios e pouco mais de 300 de répteis. Estudos de botânicos que apenas um quarto de quilometro quadrado da floresta pode suportar a vida de 1.100 plantas.
Estes números, no entanto, também ocultam segredos da Amazônia. Muitos poucos estudos foram realizados na região e, portanto, muitos animais e plantas desconhecidos podem estar vivendo na floresta (acredita-se que apenas 10% tenham sido descritos). Uma expedição científica conduzida pelo World Wide Fund for Nature (WWF) catalogou, entre 2011 e 2013, 441 novas espécies; entre elas, uma rã do tamanho de uma unha humana, um mico que emite sons como o “ronrom” de um gato e uma piranha que se alimenta de plantas.
A Amazônia oferece riscos para seus visitantes. Eles começam com as onças-pintadas, onças-pardas (também conhecidas como suçuaranas ou pumas), as grandes espécies de jacarés (como o jacaré-açu, que pode atingir seis metros de comprimento e mais de 300 quilos; mas mesmo mordidas de filhotes podem provocar ferimentos sérios), algumas espécies de cobras peçonhentas, além da não venenosa sucuri, que mata por constrição – mas, apesar da lenda, não consegue engolir um homem, mas pode estrangulá-lo com facilidade.
Outras espécies bem menores podem ser nocivas. Os choques das enguias (piramboias ou poraquês) podem atordoar e até matar pessoas debilitadas. Muitos sapos e rãs – especialmente os coloridos – são dotados de toxinas alcaloides que podem provocar paralisia muscular (boa parte das espécies está sendo extinta em função de mudanças climáticas, tanto na Amazônia como na América Central).
Seja como for, com os devidos cuidados, todos eles devem ser avistados nas visitas à região, com guias, calçados confortáveis e fechados e roupas adequadas.
Outras espécies não são tão “bem-vindas”. Apesar de cumprirem sua função no equilíbrio ecológico, eles podem se tornar vetores de doenças: é o caso de mosquitos como o Anopheles, que provoca malária, e o Aedes aegypti, responsável pela dengue e a febre amarela. Menos comuns, mosquitos vampiros podem transmitir raiva para o homem e animais domésticos.
O outro lado da moeda é preocupante. O desmatamento, a biopirataria e a degradação ambiental são os grandes riscos para a Amazônia. Até os anos 1960, não havia técnicas eficazes para a derrubada maciça de árvores. Surgiram, então, motosserras e métodos de queimada.
O problema é que o solo amazônico só é fértil por um curto período (justamente o em que as folhas caídas das árvores formam uma cobertura natural). É muito raro que um agricultor consiga colher duas safras consecutivas. A solução encontrada foi abandonar o local, seguir em frente e desmatar mais um trecho da mata.
Os cuidados com o meio ambiente só começaram a ocupar espaço na mídia e na opinião popular só se popularizaram no final dos anos 1970 – e mesmo assim, ambientalistas eram chamados de “ecochatos”. Na última década do século XX, a área total de florestas derrubadas atingiu 587 mil quilômetros quadrados – em maioria, para dar lugar à criação de gado, mas também para a abertura de pistas de pouso clandestinas, usadas por traficantes e biopiratas.
O ritmo de destruição da Amazônia vem caindo desde 2004, mas ainda atinge pouco mais de 19 mil quilômetros anuais (dados de 2005 a 2010). O desmatamento é compensado em parte com projetos de reflorestamento, mas o ritmo de recomposição da mata é lento.
Biopiratas são pesquisadores que retiram recursos naturais valiosos para a pesquisa alimentícia e farmacêutica. Por exemplo, o brasileiríssimo cupuaçu, nativo da Amazônia, foi patenteado por uma empresa japonesa, o que provocou verdadeiras batalhas diplomáticas e judiciais para reverter a decisão em diversos foros internacionais.
Borracha: apogeu e decadência
No século XIX, a região amazônica conheceu um surto de desenvolvimento econômico: o Ciclo da Borracha, que ocupou os anos de 1879 e 1912. Com o início da industrialização, a borracha se tornou importante insumo e a matéria-prima mais utilizada é o látex. As seringueiras brasileiras tornaram-se cobiçadas e os donos de lotes com muitas árvores da espécie rapidamente acumulava muito dinheiro.
Cidades como Manaus, Belém e Porto Velho passaram por um rápido processo de crescimento e de alterações sociais. A criação do Teatro Amazonas, do Teatro da Paz e do Museu Paraense Emílio Goeldi (ambos em Belém) datam desta época, além da construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, um ambicioso que pretendia abrir um canal de escoamento da produção através do oceano Pacífico. Outro ramal, em sentido leste, facilitaria a exportação da produção da região – e também da Bolívia – através de portos do Atlântico. Mas o projeto nunca saiu do papel.
A ferrovia, conhecida como “estrada da morte”, em função dos seis mil operários mortos nas obras (“um para cada dormente instalado”, diz a lenda) – demorou cinco anos para ficar pronta. A inauguração ocorreu em 1912, mas não havia demanda pela borracha brasileira. Aqui, a extração de látex sempre foi extrativista, mas algumas sementes se seringueira foram contrabandeadas pelos ingleses para a África Central, Ceilão (atual Sri-Lanka) e Malásia, locais em que a tecnologia permitiu o cultivo, em lugar da coleta entre as árvores da Amazônia.
A “estrada da morte” acabou ligando “nada a lugar nenhum”, servindo apenas para tráfego local; ela liga Porto Velho a Guajará-Mirim, em um trecho de 360 quilômetros no Estado de Rondônia (as duas cidades foram fundadas pela empresa responsável pelas obras).
Com o látex brasileiro a preços proibitivos no mercado internacional, chegou ao fim o Ciclo da Borracha, justamente no mesmo ano da fundação da Madeira-Mamoré. Empresários e exportadores abandonaram a região, buscando outras oportunidades.
Com mais investimentos e pesquisa (tanto do governo como da elite dominante), o Brasil poderia ter desenvolvido técnicas de plantio que prolongariam o ciclo e poderiam ter ajudado o país a superar com mais facilidade a Grande Depressão, crise internacional que teve início menos de 20 anos depois, em 1929, com a queda dos preços na Bolsa de Valores de Nova York – inclusive do café, principal produto de exportação, que ficou encalhado nos portos ou queimado nas fazendas – economicamente, não era viável transportá-lo.
Lendas, mitos, ritos, paisagens de tirar o fôlego. Tudo isto e muito mais compõe o cenário da Amazônia, que abriga grupos de aventureiros em busca de ecoturismo, casais em lua de mel, famílias inteiras, estudantes e pesquisadores. Isto aqui é um pouquinho de Brasil.